Conte sua história › Fernando Yoshinobu Kuroda › Minha história
Desde os 4 anos de idade eu treino sumô, pois meu pai era professor. Ele sempre sonhou em ser um lutador profissional, mas não conseguiu por causa da baixa estatura. No começo, não gostava muito. Mas depois comecei a treinar mais, pois não gostava de perder. Quando completei 10 anos, não perdia para ninguém.
Em casa, só eu falava em japonês. Sou nissei (filho de japoneses). Minha mãe, Miyako, veio do Japão em 1966. Meu pai, Nobuo, veio em 1968 para o Brasil para passear. Gostou e acabou ficando. Eles se conheceram no Brasil.
Eu e minha irmã, Kaori, recebemos uma educação muito rígida. Meu pai era a autoridade da casa e minha mãe dava chinelada sempre que a gente aprontava. Vivíamos na Vila Prudente, em São Paulo. Durante o dia, ia à escola comum e, à tarde, à escola de língua japonesa.
Aos 15 anos, conheci o lutador de sumô Daisuke Shiga (nome de luta: Tochi Azuma), filho de um mestre japonês, o Hayao Shiga. Eles começaram a me animar a ir lutar no Japão. Eu não achava que tinha chance, pois tinha 70 quilos e 1,73 metro, o que é pouco para um lutador de sumo.
Eu tirava boas notas na escola, mas não gostava tanto de estudar. Então, resolvi ir ao Japão lutar sumô. Meu pai adorou, achou o máximo. Ele nunca me disse nada, mas acho que sempre havia sonhado com isso. Mas minha mãe não aprovou. Disse que, se eu fosse, não poderia voltar por qualquer motivo. E eu sabia que não poderia desistir, pois seria uma vergonha para minha família.
Em setembro de 1991, passei no exame e entrei na categoria profissional. Nem acreditei. A esposa do meu mestre havia feito um penteado bem alto, para que eu parecesse mais alto, e me disse para beber muita água, para que eu ficasse mais pesado.
No começo, levei muita bronca. Eu não estava acostumado a usar a linguagem polida (keigo) e precisava me acostumar a respeitar a hierarquia. Os lutadores mais velhos eram muito bravos. Levei vários tapas na cara, de cair no chão, mas não podia reclamar.
A nossa rotina era muito rígida: acordávamos às 4 horas e tínhamos tarefas como arrumar os mawashis (cintos usados pelos lutadores). Pegávamos o trem e íamos até o ginásio, onde aprendíamos exercícios básicos, além de treinar shodô (caligrafia) e música. Tínhamos que lavar, limpar e cozinhar. Mesmo no inverno, tínhamos que correr só de mawashi ao ar livre, em volta do ginásio. Como era magro, corria rápido e achava que poderia descansar enquanto os outros não chegavam. Mas o mestre me mandou ficar em posição de flexão de braços à espera dos outros. Eu pensava: isso aqui é pior que exército.
Aos 17 anos, fraturei meu joelho. Tinha que ser operado, mas fiquei com medo, pois não tinha nenhum parente perto de mim. Meu médico escondeu de mim que eu estava com os ligamentos todos rompidos. Ainda bem, pois acho que teria desistido do meu sonho de fazer parte da elite. Fiz a fisioterapia direitinho e me recuperei.
Mas depois eu rompi os ligamentos do outro joelho e quebrei a mão. Como eu era jovem, não sabia meus limites - por isso me machuquei tantas vezes. Hoje eu penso que esse foi o lado negativo de ter começado tão cedo no profissional.
O salário dos lutadores de segunda categoria era baixo, mas tínhamos patrocinadores. Eles nos levavam para festas e para beber. A gente bebia muito. A gente recebia um tratamento especial por ser lutador de sumô. Os japoneses adoram sumô e respeitam os lutadores.
Em 2001, depois de nove anos no Japão, consegui subir para a elite do sumô. Lembro-me da luta decisiva: eu estava tão focado que não ouvia nada, apesar do ginásio cheio. Decidi seguir o conselho do meu mestre: “Não pense em ganhar, pense em fazer uma luta bonita, enfrente seu adversário”. E deu certo.
Em 2004, comecei a desanimar. Um dos meus mestres, o sr. Yamawake, percebeu. Ele me disse: “Se você está pensando em sair do mundo do sumô, faça logo. Tem muitos lutadores que não deixam o sumô por medo de ter de se acostumar com a vida comum”.
Resolvi voltar ao Brasil, pois achei que aqui teria mais oportunidade. No Japão, é mais difícil abrir um negócio. Em 2005, abri o restaurante Bueno, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Sirvo pratos bem semelhantes aos servidos no Japão. Por isso, a maioria dos meus clientes é japonesa. Graças a Deus, o negócio vai bem. Já estou planejando abrir um novo restaurante.
Fiquei apenas dois meses na elite do sumô. Mas sinto orgulho de ter atingido meu objetivo. Ainda treino e dou aulas de sumô. Sempre tento passar essa mensagem aos meus alunos de sumô: quando você tem um sonho e você persiste, você consegue.
Depoimento à jornalista Kátia Arima
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil