Conte sua história › Kinue Shizuno › Minha história
Quando eu tinha 11 anos, mudamos para a cidade de Pereira Barreto. Nessa época, ficava cuidado da casa, dos irmãos, e ia ao “nihongakko” (escola de língua japonesa). O pensamento da maioria dos japoneses era machista, então as mulheres não tinham oportunidade de estudar. A obrigação era aprender a costurar e a cozinhar.
Na hora de tomar banho, no ofurô (banheira), que era um tanque de cimento aquecido à lenha, respeitávamos a hierarquia: primeiro os avós, depois os homens. Por último, as mulheres. Eu entrava na água já suja (risos).
Em Pereira Barreto, nós freqüentávamos o kaikan (clube). Eu adorava o undokai (gincana), que unia todas as famílias japonesas. Crianças e adultos participavam de atividades como corrida e cabo-de-guerra e comiam obento (marmita), que cada um levava, com oniguiri (bolinho de arroz), omelete e tsukemono (conserva de vegetais). Os prêmios eram caderno, lápis, mas a gente ficava feliz.
Todos os meus irmãos participavam do nodojiman (concurso de karaokê), mas minha mãe dizia que eu cantava mal. Até hoje eles cantam bastante, e eu não. Mas gosto muito de ouvir a cantora japonesa Misora Hibari.
Lá em casa a gente também festejava em maio o “otoko no sekku” (dia dos meninos). Todo ano, sem falta, meu pai pendurava um enfeite em forma de peixe, que ele mesmo tinha confeccionado com um pano, e a gente festejava.
O “oshoogatsu” (Ano Novo) era a festa mais importante. A gente descansava por três dias e visitávamos casa por casa das famílias japonesas, onde sempre tinha comida farta. E ganhávamos “otoshidama”, um envelope com dinheiro.
Mas o que eu mais gostava mesmo era da apresentação de filmes no kaikan. Eu ficava ansiosa para assistir ao "Pica-Pau", a "O Gordo e o Magro"... Todo mundo ia assistir.
Na minha juventude, pratiquei tênis de mesa e atletismo no kaikan. Eu participava do seinenkai jôshin (grupo de mulheres jovens), que organizava vários eventos. A gente arrecadava dinheiro para poder fazer excursões. Meu pai era muito ativo no kaikan, arrumava passagens de trem para São Paulo com um deputado e alugava um ônibus para nos transportar na cidade de São Paulo.
Aos 16 anos, participei da minha primeira excursão para São Paulo. Fomos ao Parque do Ibirapuera, ao zoológico. Eu achava o máximo. Na segunda viagem, fomos até o Rio de Janeiro, foi muito legal. Lembro da gente pegando a balsa até Niterói.
Eu não me casei por omiai. Passeava com meu namorado, Katsumi Shizuno, na praça, e ia ao cinema ver filmes americanos, brasileiros e japoneses. Ele lutava kendô com meus irmãos e freqüentava nossa casa.
Quando eu e Katsumi ficamos noivos, ele foi em casa entregar o yuinô, que era um envelope de papel muito bonito, com um laço, sobre uma bandeja. Tinha dinheiro dentro, para comprar o enxoval. Me casei aos 22 anos, em Pereira Barreto. Minhas três filhas nasceram lá: Cláudia, Regina e Sandra.
Meu marido foi gerente do Banco América do Sul e foi transferido para várias cidades. Ele levou a família para Marília (SP), Maringá (PR) e Cascavel (PR). Depois, ele mudou de empresa e foi para Londrina. Por todas essas cidades que passei, freqüentei os kaikans. Engraçado, só em São Paulo que eu não freqüento nenhuma entidade japonesa, acabo ficando mais presa em casa. É difícil fazer amizade aqui. Acho que era mais legal viver no interior.
Depoimento à jornalista Kátia Arima
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil