Conte sua história › Kinue Shizuno › Minha história
Lembro-me de uma foto que havia em casa, do meu avô paterno, Sumio Arima, no navio que o trouxe para o Brasil, em que ele puxava uma corda para preparar as mãos para a colheita de café. Ele veio com a família para o Brasil em 1928, com o sonho da maioria dos imigrantes: ganhar dinheiro e voltar ao Japão. Meu pai, Mikio, tinha 8 anos.
Primeiro, a família do meu avô paterno se estabeleceu na região de Mogiana (norte de SP). Mudaram-se para Lavínia (SP) e, depois, foram para Barra Bonita (SP). A família da minha mãe, Miyoko Matino, da Província de Mie, veio para o Brasil em 1935 e se estabeleceu em Bela Floresta (hoje Ilha Solteira).
Meus pais se casaram por “omiai” (casamento arranjado) em 1942. Minha mãe me contou que, no primeiro encontro, confundiu o noivo com o sogro, pois meu pai era muito franzino. Só que não teve festa, pois era a época da Segunda Guerra Mundial e os japoneses que viviam no Brasil não podiam se reunir.
Nasci em 1946, primeira filha do casamento. Tenho um irmão mais velho (Junji) e seis irmãos mais novos: Tsutae, Massae, Kenji, Mitsue, Sumie e Yoshie. No nosso sítio, em Barra Bonita (SP), viviam cinco famílias. Então eu brincava com irmãos e primos. Gostava de brincar de casinha, em baixo do bambuzal ou das mangueiras.
Quando eu era criança, minha família fabricava bolachas em casa. Meu avô fazia carimbos para enfeitar as bolachas, com desenhos de pavão, do monte Fuji...eu achava muito bonito. Com o caminhão que tinha em casa, eles iam até outras cidades vender as bolachas.
Era a única família de japoneses da região que tinha caminhão. Então, quando a gente ia passear, subia toda a criançada na caçamba. Íamos fazer piquenique nas ilhas do rio Tietê, onde nadávamos o dia todo. Os adultos pescavam cascudos e colocavam-nos no caldeirão, para fazer missoshiru (sopa de soja). Era muito gostoso.
Nossa vida era simples, mas nunca passamos fome. A gente se virava com o que plantava na horta e com ovo caipira que encontrava por aí. Com exceção do sal e açúcar, nada era comprado. Havia fartura de frutas, como melancia, manga, banana. Quando era época de matar um porco, todo mundo ficava contente, pois poderia comer carne, que não tinha todo dia. Quando era servido o prato, todo mundo fazia o agradecimento antes de comer, dizendo “itadakimasu”. Meu pai era bravo, dava bronca se alguém deixava sobrar comida e dizia: “Mottainai” (que desperdício).
Lembro-me uma vez que meu pai deu um castigo na gente, porque nos pegaram brincando com fogo. Ele amarrou todas as crianças na árvore. Minha avó ficou com dó e foi desamarrar, pois tinha formigas no tronco.
A fábrica de bolachas não deu certo, então a família começou a cultivar bicho de seda. Os adultos acordavam bem cedo para colher amora, que era o único alimento de que o bicho gostava. Depois, montaram uma fábrica de farinha de mandioca. Construíram um forno enorme em casa. Todo mundo, inclusive eu, ajudava a descascar mandioca.
Depois, a família passou a trabalhar na lavoura de algodão. Nessa época, eu estudava.
Dos 7 aos 10 anos, fui à escola brasileira, em Bela Floresta, que ficava a 6 quilômetros de casa. Quando o cavalo estava desocupado, a criançada podia ir tranqüila. Senão, era preciso atravessar pastos. Eu morria de medo. De vez em quando o boi corria atrás da gente; aí tínhamos de subir no pé de manga. A gente acordava às 6 horas da manhã e levava duas horas para chegar à escola, porque era preciso dar uma volta grande para fugir dos bois.
Só falávamos em japonês em casa. Minha batian (vovozinha) dizia que era falta de respeito falar uma língua que ela não entendia. Tive dificuldades na escola brasileira, mas deu para me virar. Hoje sei falar, mas não escrevo bem.
Depoimento à jornalista Kátia Arima
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil