Conte sua história › Takeko Ishida › Minha história
Pouco tempo depois, irrompeu a segunda Grande Guerra Mundial. O Brasil tornou-se país inimigo do Japão. Meu sogro, que estava alistado como militar, era considerado um personagem perigoso ao governo brasileiro. Só de pensar que ele poderia ser preso a qualquer momento, nossos dias eram cheios de aflição.
Certo dia, alguém denunciou à polícia e três policiais vieram à nossa casa, ordenando: “entreguem-nos todos os objetos que estão escondidos no sótão”. Todos haviam saído nesse dia e comigo só estavam meus sogros e as duas crianças. Eu estava no último mês de gestação do terceiro filho e não havia como subir ao sótão para retirar as inúmeras medalhas e livros relacionados à vida militar do meu sogro. Vendo que não havia outro jeito, os policiais retiraram tudo reclamando. Depois da apreensão desse material, mandaram uma multa, ameaçando prender o meu sogro, se não pagássemos. Minhas duas meninas agarraram-se a mim olhando para os policiais. Desde esse contratempo, pareciam ter medo até de ir à escola.
Em 1943, meus sogros retornaram ao Japão no segundo navio de repatriação, o que nos deixou um pouco mais aliviados.
Logo depois, com o fim da guerra e a derrota do Japão, uma coisa inimaginável surgiu entre os japoneses residentes no Brasil: a questão de se o Japão “ganhou” ou “perdeu” a guerra. Assim, a colônia japonesa dividiu-se em duas facções antagônicas: uma que negava a derrota, chamada “kachi-gumi” e a outra que a reconhecia, a “make-gumi”. Ambas brigavam pelo mesmo amor à pátria. Meu marido estava sendo vigiado pelo grupo da Shindo-renmei (Federação de Súditos Fiéis), que era uma organização que defendia que o Japão era um país divino e jamais poderia perder uma guerra e matavam um a um os que diziam que o Japão havia sido derrotado, considerando-os traidores da pátria. *(N.T.)
Nessa época, meu marido viajava pelo interior para comprar produtos agrícolas. Geralmente ficava fora por um ou dois meses, voltava para ficar uma semana e partia novamente. Certo dia, justamente na sua ausência, um japonês que utilizava o nome da Shindo-renmei apareceu em casa dizendo: - “seu marido está na lista negra dos que serão assassinados”. Em seguida intimidou-me: “mas se a senhora me pagar 200 mil réis apagarei o nome dele da lista”. Essa quantia, na época, equivalia ao sustento de um mês da família. Mas, preocupada com a vida do meu marido, entreguei-lhe com o coração apertado, tudo que eu tinha. No entanto, passados alguns dias, chegou um outro homem, dizendo a mesma coisa. Enfim, quando surgiu uma terceira pessoa, sem querer, disse-lhe tremendo: “que japonês cruel! O Senhor já imaginou alguma vez como sua esposa se sentiria se estivesse no meu lugar, na sua ausência? Já imaginou? Eu acredito em Deus, confio a vida do meu marido nas mãos de Deus, pois não tenho mais um tostão para lhe dar!”.
Por incrível que pareça a partir desse dia ninguém mais veio nos ameaçar. Por causa desses incidentes, meus filhos ficaram com medo dos próprios japoneses e diziam: “lamentamos ter nascido filhos de japoneses. Não importa a cor da pele – branca ou negra -, simplesmente detesto japonês”. Fiquei muito preocupada, pensando em o que fazer para que meus filhos nascidos no Brasil pudessem compreender o verdadeiro povo japonês. Então vi que, antes de fazê-los compreender o povo japonês, nós, pais que somos japoneses, deveríamos, em primeiro lugar, ser pessoas a quem eles pudessem amar e confiar integralmente, pois a educação familiar é a própria conduta diária dos pais. “Depois que percebi isso, comecei a viver cada dia com extremo cuidado”.
*(N.T.) V. Fernando Morais, Corações sujos, São Paulo, Companhia das Letras, 2000 (Prêmio Jabuti) investiga a Shindô Remmei, ou Liga do Caminho dos Súditos, que acreditava, após o término da Segunda Guerra, na vitória japonesa. Seus seguidores - cerca de 80% da população japonesa em São Paulo - perseguiram os imigrantes que sabiam sobre a derrota do Japão. Entre janeiro de 1946 e fevereiro de 1947, mataram 23 imigrantes no estado de São Paulo.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil