Conte sua história › Takeko Ishida › Minha história
Meu sogro dissera: "Plantamos 20 mil pés de café há cinco anos. A partir deste ano está dando muito fruto. São frutinhas vermelhas muito bonitas". E eu, na minha imaginação tinha um cafezal extenso que se perdia no horizonte. Mas na realidade eram montanhas e montanhas com plantação de café.
A família era composta dos meus sogros e mais sete filhos, sendo o meu marido o mais velho. Minha sogra continuava mantendo, mesmo aqui no Brasil, a postura de uma esposa de capitão e por isso não se dispunha de modo algum a cuidar dos afazeres domésticos. Orgulhava-se, contando-me que no Japão todos os seus sete filhos tinham sido criados por amas. Quanto a mim, vindo de uma família simples de lavradores a um lar onde se valorizava fortemente a hierarquia militar, não podia esperar boa acolhida. Só então pude compreender a fundo porque minha mãe chorava e procurou me dissuadir. Como sofri e como me arrependi! Mas, pensando em minha mãe e na minha irmã que me escreviam dizendo que a comida nem passava pela garganta de preocupação e em meu pai que deveria estar sofrendo muito mais, como poderia eu agora lhes escrever, queixando-me da minha situação?
Preocupado com sua filha na distante e desconhecida terra estrangeira, meu pai mandava-me por via marítima, duas vezes por mês, um relato em forma de diário de tudo que acontecia na família. Após a Segunda Guerra Mundial até vir a falecer, papai passou a enviar-me esses diários por via aérea uma vez por semana e desde a sua morte, até os dias de hoje, meu irmão mais novo vem enviando notícias da terra natal.
Meu sogro parecia considerar que o lar era a continuação da vida militar. Somente dava ordens, sem nos consultar em nada. As ordens do superior tinham de ser sempre obedecidas. Se alguém o contrariasse com uma frase que fosse, caíam "raios e trovões" sobre as nossas cabeças.
Por isso os filhos apenas cumprimentavam os pais pela manhã e antes de se deitarem. Durante as refeições todos permaneciam calados do início ao fim e, ao terminarem, retiravam-se. Minha sogra saía sempre para algum lugar após o café da manhã e só retornava ao entardecer. Vivia me perguntando se nessa família existia o amor conjugal, o amor entre pais e filhos e entre os irmãos. Tendo sido criada numa família harmoniosa e ajustada, não conseguia entender este tipo de relacionamento.
Haviam transcorrido três meses quando percebi que estava grávida. Não havia na localidade nem médico nem parteira. Ao pensar na criança que estava para nascer nesse lugar tão isolado, não sabia se deveria me alegrar ou não. Sentia só angústia e ansiedade. Entretanto, procurei pensar que talvez a vinda da criança fizesse nascer um pouco de calor humano e esperança na família. Rezava para que a criança trouxesse felicidade ao lar. Esforçava-me para manter-me aparentemente feliz.
Naquela época só havia um médico que visitava a colônia de Registro e a colônia de Katsumura uma vez por mês. Quando chegou o dia do parto, não pude contar com o médico e nem mesmo com a parteira, pois esta estava enferma. Padeci dia e noite, um sofrimento que parecia não ter mais fim. Às vezes, minha sogra e meu marido vinham me ver, mas retiravam-se em seguida, sem saber o que fazer. No dia seguinte, foram chamar um assistente do médico da cidade e a criança finalmente nasceu, só que ela viveu apenas alguns minutos e logo morreu.
No ano seguinte dei a luz a uma menina, Emiko. Depois de 2 anos, nasceu minha outra filha, Mariko. Além de cuidar das crianças, era minha tarefa preparar as refeições para esta família numerosa, cuidar dos afazeres domésticos e ajudar nos trabalhos de secagem do café, o que me deixava física e emocionalmente exausta. Porém, como havia decidido vir ao Brasil, por minha própria vontade, por mais que tudo isso me pesasse, estava firme em continuar a levar avante. Entretanto, pensando no futuro das crianças, mais uma vez achei-me indecisa quanto à permanência ou não naqueles confins. Isto porque, na idade escolar, as crianças teriam que percorrer diariamente dez quilômetros a pé ou a cavalo, enfrentando todos os tipos de perigo. Como estávamos numa zona rural tropical, chovia praticamente todos os dias, quando não eram temporais ou tempestades com relâmpagos e trovões. Corria-se também o risco de encontrar cobras venenosas e outros insetos ou animais perigosos pelos caminhos estreitos das matas virgens. E assim eu não tinha coragem de mandar minhas filhas sozinhas por essas veredas.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil