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Takeko Ishida

São Paulo
108 anos, Dona-de-casa

A família - silencioso horário das refeições


Meu sogro dissera: "Plantamos 20 mil pés de café há cinco anos. A partir deste ano está dando muito fruto. São frutinhas vermelhas muito bonitas". E eu, na minha imaginação tinha um cafezal extenso que se perdia no horizonte. Mas na realidade eram montanhas e montanhas com plantação de café.

A família era composta dos meus sogros e mais sete filhos, sendo o meu marido o mais velho. Minha sogra continuava mantendo, mesmo aqui no Brasil, a postura de uma esposa de capitão e por isso não se dispunha de modo algum a cuidar dos afazeres domésticos. Orgulhava-se, contando-me que no Japão todos os seus sete filhos tinham sido criados por amas. Quanto a mim, vindo de uma família simples de lavradores a um lar onde se valorizava fortemente a hierarquia militar, não podia esperar boa acolhida. Só então pude compreender a fundo porque minha mãe chorava e procurou me dissuadir. Como sofri e como me arrependi! Mas, pensando em minha mãe e na minha irmã que me escreviam dizendo que a comida nem passava pela garganta de preocupação e em meu pai que deveria estar sofrendo muito mais, como poderia eu agora lhes escrever, queixando-me da minha situação?

Preocupado com sua filha na distante e desconhecida terra estrangeira, meu pai mandava-me por via marítima, duas vezes por mês, um relato em forma de diário de tudo que acontecia na família. Após a Segunda Guerra Mundial até vir a falecer, papai passou a enviar-me esses diários por via aérea uma vez por semana e desde a sua morte, até os dias de hoje, meu irmão mais novo vem enviando notícias da terra natal.

Meu sogro parecia considerar que o lar era a continuação da vida militar. Somente dava ordens, sem nos consultar em nada. As ordens do superior tinham de ser sempre obedecidas. Se alguém o contrariasse com uma frase que fosse, caíam "raios e trovões" sobre as nossas cabeças.

Por isso os filhos apenas cumprimentavam os pais pela manhã e antes de se deitarem. Durante as refeições todos permaneciam calados do início ao fim e, ao terminarem, retiravam-se. Minha sogra saía sempre para algum lugar após o café da manhã e só retornava ao entardecer. Vivia me perguntando se nessa família existia o amor conjugal, o amor entre pais e filhos e entre os irmãos. Tendo sido criada numa família harmoniosa e ajustada, não conseguia entender este tipo de relacionamento.

Haviam transcorrido três meses quando percebi que estava grávida. Não havia na localidade nem médico nem parteira. Ao pensar na criança que estava para nascer nesse lugar tão isolado, não sabia se deveria me alegrar ou não. Sentia só angústia e ansiedade. Entretanto, procurei pensar que talvez a vinda da criança fizesse nascer um pouco de calor humano e esperança na família. Rezava para que a criança trouxesse felicidade ao lar. Esforçava-me para manter-me aparentemente feliz.

Naquela época só havia um médico que visitava a colônia de Registro e a colônia de Katsumura uma vez por mês. Quando chegou o dia do parto, não pude contar com o médico e nem mesmo com a parteira, pois esta estava enferma. Padeci dia e noite, um sofrimento que parecia não ter mais fim. Às vezes, minha sogra e meu marido vinham me ver, mas retiravam-se em seguida, sem saber o que fazer. No dia seguinte, foram chamar um assistente do médico da cidade e a criança finalmente nasceu, só que ela viveu apenas alguns minutos e logo morreu.

No ano seguinte dei a luz a uma menina, Emiko. Depois de 2 anos, nasceu minha outra filha, Mariko. Além de cuidar das crianças, era minha tarefa preparar as refeições para esta família numerosa, cuidar dos afazeres domésticos e ajudar nos trabalhos de secagem do café, o que me deixava física e emocionalmente exausta. Porém, como havia decidido vir ao Brasil, por minha própria vontade, por mais que tudo isso me pesasse, estava firme em continuar a levar avante. Entretanto, pensando no futuro das crianças, mais uma vez achei-me indecisa quanto à permanência ou não naqueles confins. Isto porque, na idade escolar, as crianças teriam que percorrer diariamente dez quilômetros a pé ou a cavalo, enfrentando todos os tipos de perigo. Como estávamos numa zona rural tropical, chovia praticamente todos os dias, quando não eram temporais ou tempestades com relâmpagos e trovões. Corria-se também o risco de encontrar cobras venenosas e outros insetos ou animais perigosos pelos caminhos estreitos das matas virgens. E assim eu não tinha coragem de mandar minhas filhas sozinhas por essas veredas.


Enviada em: 15/01/2008 | Última modificação: 17/01/2008
 
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Comentários

  1. Silvio Sano @ 15 Jan, 2008 : 17:17
    Takeko-san é uma mulher impressionante e de grande visão, conforme já ficou evidenciado quanto tinha apenas 18 anos e topou vir no lugar da irmã mais velha para ser esposa de Takeshi-san, mesmo tendo de dar a volta ao mundo para isso, naquela época. Tudo por sua curiosidade ilimitada somada à vontade de "matá-la" (a curiosidade). Isto é, realizá-la. O deslumbramento dela durante a viagem, pelas novidades que via e recebia é prova disso. A resposta ao futuro sogro, sobre a possibilidade de uma negativas do filho Takeshi, ainda no navio é outra prova. E a solução usada para sobreviver no período ausente do marido, ao inaugurar o Lar dos Estudantes foi apenas a consolidação de uma postura invejável. Parabéns, Takeko-san!

  2. Thomas Suzuki @ 16 Jan, 2008 : 19:55
    Miai, tradição japonesa, que causa espantos no Brasil... Há realmente lindas histórias de miai's no Brasil, nem todas, mas de qualquer jeito demonstram a força desse traço cultural dos japoneses. Belíssima narrativa, muito obrigado a senhora Ishida.

  3. Izabel Terumi Takata @ 17 Jan, 2008 : 20:29
    Takeko Ishidasan, Parabens pelo brilhante relato. Fiquei muito emocionada, já que muitas dessas passagens de sofrimento, são parecidas como as vividas por muitos outros imigrantes japoneses, inclusive conforme eram relatadas por meus pais. A sra. sem duvida, é uma grande vitoriosa. Parabens e felicidades.

  4. Cecilia Ishida @ 20 Jan, 2008 : 23:26
    Sou nora da da. Takeko, portanto suspeita em tecer elogios, mas se o fizer, eh com grande merecimento; creio mesmo que muitas noras ficariam com inveja...rs! Ela foi sempre um exemplo a ser seguido; como matriarca, administrou firmemente no intuito de conseguir a paz, a lealdade e uniao no seio da familia;deixa um legado: nunca deixar se dominar pela inveja, ciumes ou traiçoes, que soh servem para desuniao entre irmaos, filhos e netos. Uma certa vez, ela me contou que era entre outros tantos afazeres, o de cozinhar para numerosa familia, ainda com apenas 16 anos de idade, qdo veio para o Brasil; sempre, enquanto se ocupava fazendo as refeiçoes, jah ir pensando o que fazer para a proxima; entao, caminhando entre os arbustos da fazenda, encontrou um ovo de galinha; ficou contente, pois ajudaria a preparar um jantar um pouquinho melhor; mas o que fazer com um ovo soh para tantas pessoas...; teve uma ideia: levou o ovo para casa, quebrou-o numa tijela, bateu e colocou na panela de missoshiru, pois assim todos poderiam participar do sabor daquele unico ovo...! E assim vive ateh os dias de hoje com muito cuidado para nao ferir as pessoas e prezando para o bem estar de todos os seus descendentes.

  5. Sílvio Sano @ 21 Jan, 2008 : 08:43
    Impressionantes essas imagens mostradas na história de Takeko-san, mãe de Luiz Ishida! Como já afirmei no comentário ao Luiz, em sua história neste site, historiadores e pesquisadores de modo geral, procurando-o só terão a ganhar... inclusive o próprio, que também pretende conhecer mais a fundo, ainda, as próprias raízes.

  6. Mário Izumi Saito, 61 anos, engenheiro e geógrafo. @ 22 Jan, 2008 : 10:58
    A biografia da Sra. Takeko nos traz informações sobre costumes japoneses, embasada na cultura do país de origem. Uma lição de vida, de fé e de esperança, apesar das dificuldades de adaptação encontradas em um ambiente completamente diferente do país de origem. No depoimento da Sra. Takeko há fragmentos de frase muito interessante, no que diz respeito à educação dos filhos: “...nós, pais japoneses, devemos, em primeiro lugar, ser pessoas a quem eles (os filhos) pudessem amar e confiar integralmente ... a educação familiar é a própria conduta diária dos pais”. O espírito aventureiro e o desejo de conhecer outro lado do planeta foram um dos motivos principais que a trouxeram para o Brasil, sem que ela, ao menos, conhecesse o verdadeiro significado do casamento. A saudades dos pais e dos irmãos são marcantes em sua trajetória nas terras brasileiras. O terrorismo exercido por alguns compatriotas denominado “Shindo Renmei” foram muito cruéis com ela e seus familiares, chegando a exigir quantias em dinheiro, em troca da vida do seu marido, por estar na lista negra dos que seriam executados. Roque Tsuguo Nishida em seu artigo “A Influência do Nikkey nas Áreas do Comércio, da Indústria e de Serviços”, publicado no livro “O Nikkey no Brasil”, coordenado por Kiyoshi Harada, lançado recentemente, também relata outro fato lamentável ocorrido no seio da colônia japonesa, após o término da guerra. Diz ele: “Patrícios japoneses, aproveitando-se do desconhecimento e do nacionalismo exacerbado de alguns imigrantes, se apoderaram dos bens de seus antigos companheiros, comprando-os por preço irrisório, usando até dinheiro falso. Alguns enriqueceram dessa maneira, constituíram negócios e prosperaram no seio da colônia, trazendo com isso muito desconforto no seu meio”. As investidas sofridas pela Sra. Takeko e o fato citado pelo Roque Nishida, são fatos isolados e pontuais. Meu pai, um homem esclarecido, um estudioso em geografia, também foi alvo de investidas dos radicais da “Sindo Renmei”. Estava na lista dos que deveriam executados, chegando a receber duas cartas do comando da “Shindo Renmei” de Adamantina, carimbadas. Foram momentos terríveis, muito difíceis e de muito sofrimento para a minha mãe que precisava cuidar dos filhos pequenos e do pequeno armazém de secos e molhados que tínhamos em Flórida Paulista, na região da Alta Paulista, interior do Estado de São Paulo. É o lado triste da história dos imigrantes japoneses. Devo destacar, no entanto, que a atuação dos japoneses e seus descendentes, em sua maioria, nos diversos segmentos, foram pautados pela seriedade, honestidade, dedicação, competência e muito trabalho.

  7. Rachel Vaccari Vassão @ 24 Jan, 2008 : 15:56
    É evidente o sofrimento que os imigrantes japoneses passaram quando de sua vinda para o Brasil. Assim como eles, todos os imigrantes não foram bem recebidos no nosso país, e tiveram que suar muito, literalmente, para conseguir sobreviver e alcançar o sucesso que têm hoje em dia. Às vezes faço comparações a respeito dos imigrantes japoneses, alemães, italianos, árabes de um modo geral, com essas turbas de sem-terra que assolam o Brasil, saídos sabe-se lá de onde. Estes querem ganhar tudo e fazer nada, e acham que o governo é obrigado a dar-lhes. Bem se vê que não têm a menor cultura necessária, nem para explorar um pedaço de terra. Bem-vindos os japoneses, nos seus cem anos.

  8. José Geraldo Alves Andrade @ 24 Jan, 2008 : 18:52
    Como podem observar pelo meu nome, não sou descendente e muito menos japonês de origem. Porém convivo com este povo e seus descendentes já por mais ou menos 40 anos, tempo em que aprendi a gostar e respeitar a cultura destes. Acredito mesmo que, em espírito, possuo uma ascendencia nipônica. Meu contato deu-se pelo amor que cultivei pelo judô e fortalecido pelo trabalho que desempenhei na USIMINAS, siderúrgica mineira que, como é sabido, foi implantada com o apoio tecnológico e participação societária japonesa. Todo o resto foi consequencia destes dois fatos e hoje tenho minhas amizades quase que totalmente no seio da colônia radicada em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais e sou muito considerado por eles. Alguns destes amigos quiseram mesmo que eu optasse por um esposa japonesa, em certo momento de minha vida, mas neste aspecto não os ouvi. Entretanto, todos os meus filhos frequentaram a colônia japonesa de Belo Horizonte, também lutaram judô e possuem amizades nela. Parabens à Senhora Takeko pelo exemplo que demonstrou neste seu relato e que só reforça a opção de vida que adotei. Ainda hoje, apesar de meus 61 anos de idade, frequento a colônia e levo comigo o meu filho caçula de 7 anos, também praticante deste esporte que representa bem a índole nipônica. Endosso ainda os comentários de Rachel Vaccari Vassão e imagino que, caso a imigração japonesa para o Brasil tivesse alcançado maior intensidade, seríamos hoje um povo inigualável em índole, tradição e cultura. Parabéns a todos os brasileiros descendentes da nação do sol nascente e sem dúvida estarei em minha cidade colaborando para os festejos destes 100 anos que agregaram à nossa pátria uma conformação cultural tão multi-racial.

  9. Laila @ 12 Abr, 2008 : 10:09
    isso é muito bom pois emcomtra tudo o que quer

  10. Rita de Cássia Arruda @ 3 Jun, 2008 : 13:17
    Prezada senhora Takeko: Seus relatos são realmente emocionantes. Resgatam um passado de muita luta e sofrimento mas também revelam seu lado de mulher guerreira; de muita fibra. Apesar de todas as dificuldades pelas quais passou, não perdeu a ternura nem se deixou abater pela tristeza. Sem dúvida, um exemplo e tanto de vida. Obrigada por dividir conosco suas memórias. Um abraço carinhoso.

  11. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:20
    eu gostei porque fala sobre a vida dos imigrantes que vinheram au brasil

  12. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:23
    eu gostei porque fala sobre a vida e obra dos imigrantes

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