Conte sua história › Takeko Ishida › Minha história
Havia concluído o curso normal meio ano atrás e vivia em paz com a minha família, quando recebemos uma carta expressa de um tio que era capitão reformado da Marinha.
O conteúdo da carta dizia que um ex-companheiro da Marinha, Sr. Tsunejiro Ishida, havia retornado ao Japão, do distante país da América do Sul, Brasil, especialmente para procurar uma noiva para seu filho. Ele havia vindo à sua casa outro dia e após conversas, meu tio sugeriu a Mutsuko de nossa família. O Sr. Ishida ficou muito entusiasmado e pediu ao meu tio que a apresentasse de qualquer forma. Dizia ainda que o Sr. Ishida viria visitar-nos em breve pessoalmente e que gostaria que os entendimentos tivessem sido feitos até lá. Isto causou enorme surpresa a meus pais, mas papai chamou imediatamente Mutsuko e falou-lhe a respeito da proposta. Mutsuko é a minha irmã mais velha e tinha, na época, vinte e um anos. O pretendente tinha vinte e cinco anos e nosso tio achou que, pela idade, os dois se combinariam. De alma delicada e gentil, minha irmã não soube dizer "não" com palavras a papai; apenas meneou a cabeça negativamente e retirou-se para seu quarto. Meu pai sempre sonhou com o além-mar e desde que éramos crianças, contava-nos histórias sobre as terras estrangeiras de forma alegre e divertida. Creio que, no íntimo, desejava que um de seus filhos concretizasse esse sonho que ele próprio não pudera realizar.
Papai, vendo que a minha irmã não tinha nenhum desejo de ir para o exterior, perguntou a mim: "se por acaso o Sr. Ishida disser que pode ser você, a irmã mais nova, você se interessaria em ir ao Brasil?". A essa pergunta, acabei respondendo prontamente: "Vou sim!".
No dia seguinte, o Sr. Ishida veio visitar-nos e, depois de conversar com meu papai durante mais da metade do dia, ficou finalmente resolvida a minha ida ao Brasil.
Logo que o Sr. Ishida foi embora contente, minha mãe e minha irmã, aos prantos, tentaram me dissuadir dessa decisão.
Por ser muito imatura ainda, eu não sabia nem mesmo seriamente o significado do casamento. Fascinava-me apenas a idéia de conhecer o outro lado da Terra, o Brasil, ainda inexplorado, as florestas virgens em seu estado primitivo... E nela animais selvagens, e, nas regiões desbravadas, os cafezais imensos estendendo-se a perder de vista. Com isso, as palavras preocupadas de minha mãe e de minha irmã quase não entravam em meus ouvidos. Assim, após quinze dias de apressados preparativos, já estava embarcando com o Sr. Ishida, rumo ao Brasil. Na cabine do navio, que mais parecia uma caixa de fósforos, eram meus companheiros: um casal novo que emigrava para a Argentina e uma jovem que também como eu, noiva, seguia para a Argentina, encontrar-se com seu futuro marido. Eu era a única que ia para o Brasil.
À noite, não tinham mais fim as conversas sobre a terra natal carregadas de sotaque das províncias de Nagano, Saitama e Okinawa. De manhã, às cinco horas já começávamos a lavar o convés junto com os tripulantes. Após o café da manhã, eu dava aulas para as crianças do primeiro ano primário da escolinha organizada pelo navio e, à tarde, tínhamos aulas elementares de português com uma pessoa que já havia estado no Brasil. Assim o nosso dia-a-dia era um tanto corrido. Além disso, a comida ocidental servida na viagem - que antes só havia experimentado na escola de arte culinária - era muito gostosa e os portos estrangeiros que via pela primeira vez me pareciam tão interessantes que esta viagem de navio de um mês e meio foi realmente cheia de alegrias.
Entretanto, à medida que ia se aproximando a terra destinada, de repente, a realidade do casamento também se colocava diante de mim, fazendo com que toda a alegria que vinha sentindo durante a viagem se esvaísse de uma hora para outra. Num desses dias, meu futuro sogro, Sr. Ishida, me perguntou: "O que você fará se meu filho lhe disser que não quer se casar com você?". Nesse instante, é verdade que passou pela minha cabeça a idéia de que se abria para mim o caminho da salvação... Respondi então: "Nesse caso prosseguirei viagem neste navio até a Argentina e depois voltarei ao Japão."
Finalmente o navio chegou ao porto de Santos. No cais minha futura sogra e meu futuro marido estava à nossa espera. Nosso destino era a colônia de Registro (SP), a mais ou menos 200 km de Santos. No centro da colônia havia uma cidadezinha e, seguindo mais uns 17 km até o fim da estrada, ficava a fazenda de café da família do meu futuro marido. Viajamos uma parte num trem desconjuntado, movido a lenha e o restante na carroceria de um caminhão, chegando finalmente em casa após três dias de viagem.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil