Conte sua história › Haysten (Lenilson Pereira Rodrigues) › Minha história
Tenho no sangue a mistura de espanhóis, por parte de pai, com índios, por parte de mãe, mas desde pequeno sempre tive contatos com "japas". Morava em Pedreira, um bairro de São Paulo. Aos 12, 13 anos, tinha muitos colegas descendentes de japoneses (nikkeis) e não-descendentes. A gente só queria saber de soltar pipa, andar de bicicleta, de rolemã e jogar futebol. Nunca tinha parado para pensar nas nossas diferenças até o dia em que um dos meus colegas nikkei perdeu um familiar. No velório, eles serviram muita comida. Eu e os meus amigos "gaidas" (brasileiros, gíria usada na comunidade japonesa, originada de gaijin – estrangeiro, em japonês) passamos a achar que os japoneses faziam festa quando alguém morria. Era esquisito, mas comemos tudo o que tinha para comer.
Anos depois, fui morar na Liberdade, o bairro mais oriental de São Paulo. Estava com 17 anos e comecei a estudar na escola Presidente Roosevelt. Foi aí que o meu relacionamento com os "japas" ficou mais intenso, porque a partir de então houve sucessivos acontecimentos, como a minha primeira namorada descendente. Ela era sansei (terceira geração). Comecei a andar de bike na Praça da Liberdade, onde um grupo de "gaidas", juntamente com os japas, treinava passos de dança. Eu também já participava de rodas de dança, mas sozinho. Esse grupo de amigos fazia aqueles famosos "passinhos" de dança nas baladas da comunidade nikkei. Um dia fui convidado a ir numa balada "japa". Foi a minha primeira vez, e eu nunca tinha visto tanto japonês junto na minha vida.
Mas só voltei a ir novamente a uma balada desse tipo um ano depois, em cima de um palco com esse mesmo grupo de amigos, que se transformou em um grupo de dança, para participar de um concurso. Antes dessa época, já tinha namorado uma outra descendente, muito bonita. Foi ela a responsável por tornar ainda mais intenso o meu interesse por olhinhos puxados. A partir de então, comecei a freqüentar as baladas nikkeis e a conhecer mais os jovens da comunidade.
Tempos depois, em 1993, formei o The Face. O grupo passou a despontar entre os japas, a ganhar concursos várias vezes, e hoje ele é um grupo profissional de dança respeitado também fora do Brasil. Atualmente está mais equilibrado, há tantos "gaidas" quanto "japas", mas houve época em que chegou a ter 25 integrantes: três brasileiros, um mestiço e o restante, todos descendentes. Existem, sim, diferenças entre brasileiros e nikkeis e isso é perceptível, principalmente quando se é líder de um grupo misto. Os descendentes são mais disciplinados, mais esforçados. Isso não quer dizer que os brasileiros não sejam. Na realidade, os brasileiros têm mais bom humor, o que ajuda nos nossos treinos. O único defeito que percebi entre os jovens da colônia é que eles sabem muito pouco do passado de seus próprios ancestrais. Sempre busquei ter mais conhecimento por meio da leitura. Leio muito e foi na mídia (jornais e revistas) dedicada aos japoneses no Brasil que soube que eles são muito mais conservadores do que os que nunca saíram do Japão. E aí busco sempre aplicar a própria filosofia deles no The Face, como a dos samurais, que pregam a honra, a disciplina e a concentração.
Nos dias atuais, é com a dança que sustento a minha família, que é formada, não por acaso, por uma nissei (segunda geração) e por uma filha mestiça linda. Se me perguntarem se seria melhor uma esposa gaida, não saberei responder, pois nunca fui casado com uma não-descendente. Porém posso afirmar, com toda certeza, que é a minha esposa cheia de costumes japoneses que tem proporcionado momentos de intensas emoções em minha vida. E o mais importante, é ela a responsável por tornar real um sonho maior: ter um filho. No caso, uma menina que me traz muita felicidade todos os dias.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil