Conte sua história › Renato Yassuda › Minha história
Nesta data onde comemoramos 100 anos da Imigração Japão Brasil, um fator primordial deve ser ressaltado. O fato de que pessoas pertencentes a um povo, no caso o japonês, enfrentando dificuldades econômicas e sociais, saíram de seu pais à procura de novas perspectivas de vida e a encontraram no solo de outro país, cujo povo acabou por acolhê-los e a incorporar-los, permitindo assim que uma nova vida surgisse entre estas pessoas.
Apesar de estarmos comemorando o centenário da imigração japonesa no Brasil, devemos ter em mente que outros países também foram alvo da imigração japonesa, alguns bem anteriores a vinda para o Brasil e que nestes países, os imigrantes também sofreram muitas dificuldades inicias e que a convivência com o povo destes países foi muito mais conturbada e a aceitação também. Grandes levas de imigrantes também aportaram nos Estados Unidos, Peru e Argentina. No entanto foi no Brasil que esta integração foi tão significativa e rica de fatos, permitindo inclusive que os imigrantes manifestassem suas tradições e costumes. Sabemos perfeitamente que a aceitação dos outros povos que receberam imigrantes japoneses não foi harmoniosa e a adaptação destes mais difícil, com muitos obstáculos a serem superados. Muitas vezes, a prova que estes imigrantes tiveram que se submeter custou a vida de muitos. Creio que um dos piores momentos foram os relacionados com o período da II Guerra Mundial, com o Japão se apresentando como inimigo em potencial das nações que haviam acolhidos os imigrantes.
Sei dos momentos difíceis por que meus familiares passaram, assim como quase todos os imigrantes que aqui viviam. Meu avô, Ryoichi Yasuda foi particularmente castigado neste período. Por um lado pela polícia do Estado Maior de Getúlio Vargas por ser japonês e acusado de espionagem. Por outro pelos membros da Shindo Renmei por o acharem muito “brasileiro” em relação aos costumes e ensinamentos que proferia. Meu pai e meus tios recordam-se com certo rancor de quando a casa deles foi invadida pela polícia política do governo federal e tiveram seus bens confiscados. Meu avô foi preso em um campo de concentração de prisioneiros em Pindamonhangaba-SP, onde já residiam e seus familiares passaram por diversas hostilidades por parte de pessoas da população local. Segundo eles, alguns bens em particular foram tomadas para profundo desgosto de meu avô como uma espada Kataná e um sabre brasileiro que lhe foi presenteado pelo Barão de Itapeva. Depois de alguns dias a vida retomou seu ritmo normal, apesar de que algumas pessoas da cidade ainda julgarem que atacando os descendentes de japoneses estariam enfrentando o inimigo. Apesar de estes tristes fatos fazerem parte do passado, ainda sentia certo rancor quando ouvia as histórias de meus parentes, pois não me conformava com a ignorância e as humilhações que devem ter sofrido os imigrantes naqueles tempos.
Somente recentemente vim a conhecer pessoas, também imigrantes japoneses e seus descendentes, que passaram por situações muito piores em outros países mas que tiveram reações que me fizeram rever meu ponto de vista e aplacaram o rancor de meu coração. A estas pessoas é que dedico este texto: “ No Centenário, minha homenagem aos soldados nisseis do Centésimo.”
Como citei em minha outra história, “Pioneiro da Imigração”, pouco aprendi sobre minhas raízes familiares no Japão através de meus parentes. No meu caso, os assuntos relacionados a linhagem familiar de meu avô, pertencente aos lendários guerreiros samurais era o que mais atraia minha curiosidade e minha busca por conhecimento. Muito do que aprendi até então foi através de minhas pesquisas em literatura especializada e em conversas ou entrevistas com pessoas com conhecimento nos assuntos referentes à cultura japonesa. Assim relatarei a seguir um fato onde tive contato com imigrantes japoneses que tinham muito conhecimento sobre a história japonesa, os samurais, os sentimentos e dificuldades dos imigrantes e que com suas histórias, me ensinaram a compreender melhor meu lado japonês e a harmonizar com o que sou, um legítimo brasileiro. No entanto, não encontrei estes imigrantes no Brasil e sim nos Estados Unidos e a história de vida deles é fantástica. Por isso, e também para homenageá-los, gostaria de ter a honra de compartilhar com todos.
Em uma de minha viagem de negócios para a empresa onde trabalho, tive a oportunidade de, nos momentos de folga, participar de um evento chamado “Fleet Meet 2007”, na baía de San Francisco, em Novembro de 2007 e que me deu o motivo desta história. Neste evento, a frota americana no Oceano Pacífico faz uma festa de confraternização para o encerramento das atividades do ano. Lá, diversas embarcações se reúnem e ocorrem festas e demonstrações das tripulações dos navios da marinha dos Estados Unidos. Os diversos grupos de Porta aviões e suas escoltas se reúnem para festejar com seus colegas e familiares e também para se divertir. Neste evento, os veteranos de guerras passadas são também homenageados e é também uma ocasião para reverem velhos amigos e contar suas histórias. Os americanos que me recepcionaram durante este período de trabalho me indicaram o evento e me disseram que talvez eu encontrasse descendentes de japoneses por lá. Consegui participar do evento em um final de semana e tive experiências fantásticas, inclusive passando um dia a bordo de um dos porta-aviões da Marinha Americana.
Como meus amigos americanos sabiam de meu interesse também pela história da marinha imperial japonesa e em particular de minha admiração pela nau capitânea da Frota Combinada do Japão na II Guerra Mundial, o encouraçado IJN Yamato, fui convidado a visitar o USS Hornet, o porta-aviões que enfrentou e afundou o IJN Yamato na última batalha naval entre as duas marinhas e onde o IJN Yamato fez uma surtida suicida contra a frota americana comandada pelo USS Hornet. Lá conheci veteranos daquela batalha, mas de todos os contatos que tive naquele fim de semana inesquecível, o que mais me surpreendeu foi com os veteranos, filhos de japoneses que imigraram para os Estados Unidos e que lutaram contra o eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Assim como nossos ancestrais que vieram para o Brasil, eles imigraram para os Estados Unidos buscando novas perspectivas de vida, sacrificando com isso seus laços familiares e se dispondo a trabalhar muito para construírem um novo destino para suas vidas.
A convivência com o povo americano foi sempre um misto de rejeição e desconfiança, até que a política externa entre ambas as nações passou a distanciar cada vez mais os povos destas nações e as relações entre ambas passaram a se deteriorar de modo que a imigração japonesa foi cortada. Chegava o momento destes imigrantes definirem de que lado queriam ficar, se retornavam ao Japão como japoneses ou se ficavam nos Estados Unidos como americanos que passaram a ser.
No entanto, os imigrantes e seus descendentes que estavam nos Estados Unidos sabiam que não seriam bem vindos ao Japão e o que deviam fazer era se dedicarem a construir sua nova vida nos Estados Unidos pois foi para isso que lá estavam. Apesar das relações entre os dois povos piorar cada vez mais, os imigrantes continuavam a trabalhar arduamente e a viverem suas vidas normalmente, apesar das hostilidades do povo americano, até que em Dezembro de 1941 houve o ataque japonês a Pearl Harbor e os Estados Unidos decretaram guerra ao Japão. Nós que temos uma vaga noção do que nossos avós e pais passaram naqueles tempos, não conseguiremos imaginar o que os imigrantes japoneses nos Estados Unidos sofreram. De um momento para outro, passaram a serem vistos como inimigos do povo americano. Os vizinhos não mais queriam um descendente de japoneses morando ao seu lado, as lojas de descendentes japoneses foram fechadas e estes imigrantes agredidos e insultados na rua. Os que estavam no serviço militar foram expulsos de suas corporações e os que trabalhavam em empresas americanas foram demitidos. Por fim foram presos em campos de concentração em lugares inóspitos do território americano. Mais de 120.000 descendentes de japoneses foram internados nestes campos de detenção. O posicionamento destes imigrantes frente a esta situação foi o que me surpreendeu. Envergonhados e ressentidos com a hostilidade entre os dois países e se sentindo no dever de retribuir o fato que os Estados Unidos os acolheram e tiveram uma nova perspectiva de vida à partir de então, muitos se posicionaram em defesa de sua pátria adotiva. Passaram a se oferecer para trabalhar nas indústrias para o esforço de guerra e também a quere lutar pelos Estados Unidos.
Desconfiados desta atitude e para testar a lealdade destas pessoas, o povo americano exigiu o máximo de sacrifício e dedicação destas pessoas para que provassem sua gratidão e suas intenções em relação ao povo dos Estados Unidos.
Os que trabalhavam nas indústrias faziam turnos mais longos e não reclamavam do cansaço. Faziam seu trabalho com o máximo de afinco e perfeição. Os que foram expulso do serviço militar pediram insistentemente por seu retorno às forças armadas americanas. Diante disso foi criado um batalhão de soldados exclusivamente descendentes de japoneses. Os que se apresentaram como voluntários passaram por treinamentos rigorosos e até desumanos. Todos, porém não fraquejaram e venceram as provações impostas. Destes voluntários surgiram dois grupos distintos. Um foi o MIS (Military Intelligence Service) que atuavam como intérpretes, decifradores de códigos e espiões a favor dos Estados Unidos. O outro foi o 100th/442 Regimental Combat Team (o Centésimo Batalhão de Combate). Destes dois grupos existem diversos relatos oficiais de dedicação, heroísmo e atos de bravura que contribuíram para a vitória americana na II Guerra Mundial, mas na essência disso, de como estes imigrantes ganharam com seu sangue o direito de se integrarem ao país que os acolheu.
Um dos exemplos que gostaria de relatar é o da atuação de um grupo de forças especiais do MIS, no qual o oficial Harold Fudenna, um nissei, organizou e participou da emboscada aérea que matou o almirante Isoroku Yamamoto, o grande estrategista e comandante chefe da Frota Combinada do Japão, arquiteto do plano de ataque a Pearl Harbor. A emboscada foi realizada por aviões de caça americanos que foram abastecidos e aguardavam o vôo do avião do almirante Yamamoto sobre as Ilhas Salomão, em abril de 1943. Sobre a atuação de Harold Fudenna, o general Douglas MacArthur pessoalmente lhe condecorou, se referindo ao fato como uma das mais importantes ações individuais para a vitória na guerra do Pacífico. Posteriormente Harold Fudenna e os oficiais nisseis do MIS assessoraram o general MacArthur na execução da política de ocupação do Japão após a assinatura da rendição e estavam presentes na assinatura desta a bordo do encouraçado USS Missouri. Em janeiro de 1946, Harold Fudenna pediu baixa do MIS e do exército americano, se formou pela Universidade da Califórnia em Berkeley e junto com seu irmão se tornaram agricultores na região de San Francisco.
Com relação aos soldados do 442nd Regimental Combat Team do Exército dos Estados Unidos, somente agora, passados mais de 50 anos é que os arquivos sobre esta unidade de combate passaram a ser de conhecimento do público, apesar desta unidade de combate ser a mais condecorada e a unidade de combate com maior número de citações de bravura da história militar americana. Os dados a respeito do público se referem a esta unidade como unidade de combate formada por voluntários nipo americanos que combateram na Europa durante a II Guerra Mundial com coragem e valor acima da média, tendo recebido mais medalhas que quaisquer outras que lutaram sobre a bandeira americana. A maioria dos familiares destes soldados voluntários estava encarcerada em campos de concentração nos Estados Unidos. Das diversas unidades deste regimento, a mais famosa é o 100th batalhão de infantaria (o Centésimo). Este batalhão em questão se tornou a unidade mais condecorada da história das forças armadas americanas.
O 100th/442nd Regimental Combat Team (RCT) lutou com distinção na Itália, Sul da França e no avanço final sobre a Alemanha. Por uma suprema ironia do destino, foi responsável pela libertação de diversos campos de concentração nazistas, salvando os prisioneiros do extermínio e da crueldade nazista enquanto que seus familiares estavam presos em campos de concentração nos Estados Unidos. Particularmente emocionante é saber dos fatos referentes a libertação dos prisioneiros do Campo de Concentração de Dauchau, onde estes soldados ficaram sem se alimentar para poderem dar de comer as crianças famintas que estavam presas nestes campos.
Nos combates na Itália, foram responsáveis pela tomada de Monte Cassino e Milleto onde, na pausa entre os combates, encontraram os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e tiveram a surpresa e a satisfação de encontrar nisseis brasileiros que compunham a força brasileira lutando, assim como eles, ao lado dos aliados. O irmão de meu tio Issao, Massaki Udihara era oficial médico da FEB e esteve em contato com eles. Os soldados nisseis do Centésimo batalhão ficaram extremamente admirados em saber que os imigrantes japoneses no Brasil não estavam todos encarcerados em campos de concentração e fizeram comentários que o povo brasileiro deveria ser um dos melhores e mais fraternos do mundo e que os nisseis brasileiros deveriam valorizar muito o Brasil.
Seguindo no seu caminho para a invasão da Alemanha, em outubro de 1944, o 100th/442nd participou do combate mais difícil de sua existência no sul da França. Na região de Biffontaine, o 1st Battalion, composto por soldados do Texas – EUA e uma tropa muito popular do exército americano foi cercada e estava sendo massacrada pelas tropas de elite do exército alemão. Todas as tropas enviadas em socorro haviam sofrido grandes baixas e parecia que o 1st Battalion Texas Rangers seria massacrado pelas tropas nazistas. Ao chegarem a região, os soldados nisseis avançaram com coragem e destemor para libertar seus compatriotas do Texas e sob 05 dias de intensos combates derrotaram as tropas alemãs, conseguindo libertar o batalhão texano. Isso custou a vida de mais da metade dos soldados nisseis do 100th batalhão. Após este ato de suprema dedicação, coragem e sacrifício, todos os membros do exército americano passaram a tratar os soldados do 100th batalhão com respeito e admiração. Por coincidência ou não, no fim de 1944 as liberdades civis foram restauradas aos familiares destes soldados e suas famílias saíram dos campos de detenção nos Estados Unidos.
Em 06 de Abril de 1945, os soldados do 100th/442nd RCT realizaram um ataque noturno de surpresa e romperam a linha fortificada Gothic, que delimitava o território alemão pelo sul e que estava retendo o avanço aliado à seis meses e marcharam rumo a Berlim. Em 07 de Maio de 1945 a Alemanha se rendia incondicionalmente.
Muitos relatos de heroísmo e bravura são atribuídos aos homens do 100th/442nd RCT. Um destes heróis é Barney F. Hajiro, hoje com 92 anos de idade, que enfrentou o inimigo com coragem sobre-humana. Em uma única ação ele sozinho capturou 18 soldados inimigos, destruiu 02 fortificações inimigas e mesmo ferido resgatou diversos outros soldados aliados também feridos. Por suas ações o soldado Barney F. Hajiro foi condecorado com a Medalha de Honra do Congresso Americano, a Medalha de Distinção de Serviços da Coroa Britânica e a Medalha de Honra da Legião Francesa.
A maioria dos relatos referentes as ações dos soldados nisseis da 100th/442nd RCT só passaram a ser conhecidas do público americano recentemente, pois o governo americano no pós guerra receava de que estes soldados e seus familiares pudessem sofrer represálias. Mas a citação do presidente Truman, em 1946, resume bem o resultado das ações destes homens na II Guerra Mundial: “Este foi um teste monumental da lealdade de vocês aos Estados Unidos pois suas escolhas os colocaram não somente lutando contra a terra de seus ancestrais mas potencialmente contra seus próprios familiares. A lealdade a América todavia, nunca mais será questionada. Todos cumpriram seu dever com distinção e HONRA.”
Confesso aos que estiverem lendo este relato que me emocionei bastante ao conhecer estes fatos e ouvir a narração da história destes veteranos. Por isso escrevi este texto, para manifestar minha gratidão aos veteranos da 100th (o Centésimo) que lutaram pelos Estados Unidos e que adquiriram nos campos de batalha, o respeito e a consideração do povo americano que os aceitaram. Exemplo supremo disso é que um dos generais mais graduado e comandante em chefe do Exército americano desde 1993 é um filho de imigrantes japoneses nos Estados Unidos, o general de 04 estrelas Eric Shinseki.
Muitos dos objetos que tenho, referentes a cultura dos samurais, adquiri ou recebi de presente nos Estados Unidos por conseqüência destes encontros com estes veteranos. A eles fica meu agradecimento por tudo que aprendi com eles. No centenário da Imigração Japonesa no Brasil, meu obrigado aos nisseis do Centésimo.
Espero que nós, descendentes de imigrantes japoneses no Brasil tenhamos herdados os valores de dedicação, gratidão e doação ao país que os acolheu, assim como estes veteranos nisseis americanos o fizeram. Que nossas ações sejam no sentido de tornar o Brasil um país vencedor, com valores fundamentais como honra, coragem, respeito e benevolência sendo exercidos no dia á dia de nossas vidas.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil