Conte sua história › Renato Yassuda › Minha história
Como quase toda história de vida de imigrantes japoneses, a história da minha família também foi repleta de desafios que foram enfrentados e superados, alguns com maior outros com menores dificuldades, mas sempre enfrentados. Também tivemos decepções e derrotas, mas as alegrias e vitórias foram em maior número e isso é um fato que nos traz muito orgulho de nossa descendência japonesa e a zelar e trabalhar arduamente por nossa continuidade brasileira.
No entanto, o fato marcante que destaco em minha história particular e que gostaria de compartilhar é a maneira como viemos para o Brasil e de como redescobri minha ascendência japonesa.
Meu avô foi quem iniciou nossa saga familiar em terras brasileiras. Seu nome era Ryoichi Yasuda, mas quando foi feito seu registro no Brasil escreveram Ryoity Yassuda e assim passou a ser escrito. Ele veio para o Brasil em 1906, portanto antes da imigração oficial iniciada em 1908. No Japão, junto com os senhores Saburo Kumabe e Ryo Mizuno, participou dos estudos iniciais para a implantação de um programa efetivo de imigração para o Brasil, baseado nos relatórios do Cônsul do Japão no Brasil, Sr.Suguimura. Seu plano inicial era de iniciar os trabalhos de imigração e dar apoio ao programa oficial em parceria com o Sr. Suguimura, viajar junto com uma comitiva inicial, auxiliar na recepção dos primeiros imigrantes e facilitar a implantação de colônias de fixação dos imigrantes em solo brasileiro e após isso, viajar para os Estados Unidos, aonde iria se fixar em definitivo, pois esta era a obrigação que sua família incumbiu a ele no Japão.
No entanto, ao chegar ao Brasil em 1906, o Cônsul havia falecido durante o período da viagem de meu avô para cá. Portanto, ao chegar meu avô se viu completamente perdido e abandonado numa terra desconhecida e sem nem ao menos falar o idioma. As dificuldades foram muitas e com os recursos que dispunha se esgotando, teve que trabalhar em qualquer emprego que conseguisse, tendo trabalhado de estivador no porto, auxiliar de cozinha e em fábricas da época. Estava sozinho e sem nenhum contato com seu país de origem. Estas dificuldades no entanto, o fizeram se integrar ao povo brasileiro, onde o mesmo passou a conviver e a conhecer a cordialidade, a hospitalidade e principalmente, a mentalidade dos brasileiros. Isto tudo deve ter tido um impacto profundo em meu avô e que iria moldar sua visão de mundo para o resto de sua vida.
Com a chegada de seus compatriotas, meu avô retomou seus trabalhos originais de implantação de um programa de imigração japonesa tendo auxiliado tanto os projetos do senhor Saburo Kumabe quanto do Sr. Ryo Mizuno, principalmente na implantação de colônias de imigrantes nos estados do Rio de Janeiro (Macaé) e São Paulo (Fazenda Eudóxia). Após seus trabalhos iniciais, viajou por quase todo o Brasil, desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas, vindo a se fixar em definitivo no município de Pindamonhangaba, estado de São Paulo onde iniciou a implantação de um grande empreendimento agro industrial para a empresa Fujizaki & Company em 1915. Neste empreendimento dedicou toda sua atenção e força de trabalho, mesmo após este empreendimento ser incorporado pelo grupo TOZAN (pertencente ao conglomerado de empresas do grupo Mitsubishi) até o seu desligamento em 1930 quando recebeu como gratificação uma gleba das terras do empreendimento para começar seu próprio negócio. Nestas terras tornou-se agricultor e se casou, criando nossa família aqui no Brasil. Seus filhos foram criados como brasileiros, sem nem ao menos lhes ter ensinado o idioma japonês. Para seus filhos pouco comentava sobre a vida e sua família no Japão, sendo que por isso fomos perdendo as raízes com a terra natal de nossos ancestrais. Converteu-se ao catolicismo e passou a ser um fervoroso cristão. À seus filhos sempre pregava as virtudes do trabalho e cultiva o valor de que percorrer o caminho é mais importante que cruzar a linha de chegada. Seus filhos e filhas, honrando seus esforços, estudaram e trabalharam arduamente, tendo todos prosperado e se tornado pessoas de destaque na comunidade. Seu filho primogênito, Fabio Riodi Yassuda se tornou o primeiro descendente de japoneses a ocupar o cargo de Ministro, tendo ocupado a pasta de Ministro da Indústria e Comércio no governo Médici, em 1969.
Com toda uma vida de dedicação e amor ao Brasil, meu avô faleceu em 1961, em pleno trabalho. Nunca mais retornou ao Japão, pois como costumava dizer a todos seus familiares e a quem mais se dispunha a ouvi-lo, “Tendo saído do outro lado do Mundo; de todos os lugares que viajei e conheci, o Brasil é o melhor de todos e dos estados destes, o melhor é São Paulo, e de todas as terras, a melhor é Pindamonhangaba. Quero ter certeza de que serei sepultado em terras brasileiras, mais precisamente, no solo pindamonhangabense.”
E assim foi feito!
Tais fatos, quando conhecidos em seus detalhes, já são emocionantes por si só, mas a história que viemos a descobrir depois acrescentou ainda mais eloqüência aos fatos.
Em 2006, portanto 100 anos após sua chegada no Brasil, recebi alguns objetos que pertenceram ao meu avô, pois sua antiga residência estava sendo demolida para a construção de um condomínio, sendo este fato realizado sobre a desaprovação de muitos membros de minha família e de mim inclusive. Um dos objetos era uma pequena caixa preta, onde dentro existia uma miniatura de uma antiga armadura samurai junto a um desenho em uma folha de papel. Este desenho era um símbolo formando um triangulo dentro de um circulo cujos vértices eram três flores. Como tenho três filhos (um primogênito seguido de gêmeos) achei curioso e brinquei dizendo que meu avô já previa quantos filhos eu teria. Devido a esta coincidência resolvi pesquisar o significado daquele desenho e para minha surpresa descobri que se tratava do brasão (Kamon) de nossa linhagem familiar no Japão. Meu avô era descendente de uma linhagem bastante antiga de samurais que lutaram em diversas batalhas durante a história do Japão, sendo muito respeitados por seus feitos em combates. Descobri que meu sobrenome, que significa “Protetor dos campos de arroz” esta registrado há mais de 500 anos no Japão e que ainda tenho familiares lá da mesma linhagem familiar de meu avô.
Entre os ensinamentos que meu avô me deixou de legado, foi como era feito uma armadura samurai e da qual, de posse destas informações, fiz uma armadura em tamanho real em sua homenagem. Apesar das imperfeições, me trouxe muito prazer e alegria, pois foi uma redescoberta de minhas raízes.
Descobri com isso, de onde meu avô trouxe tanta fibra e tenacidade. Porque teve tanta dedicação e vontade de vencer. Entendi também porque as palavras honestidade e honra eram tão sagradas para meu avô.
Hoje busco aprender mais sobre a cultura de meus antepassados e a honrar seu legado de coragem de enfrentar os desafios da vida. Assim como meu avô que buscou um recomeço de vida num longínquo país chamado Brasil e aqui se esforçou para viver uma vida honrada, quero percorrer com dignidade e orgulho meu caminho no solo brasileiro.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil