Conte sua história › Samantha Shiraishi › Minha história
Nem tinha tempo agora, mas vou escrever para contar de um puxão de orelha.
Estou alterando o texto que postei ontem, 09/01 (falando de Terra Natal e Sobrenome), um dia depois de publicá-lo porque recebi uma mensagem do gentil Silvio Sano me explicando que as palavras sobrenome e terra natal - Miyoji (miyodi) e Furusato (furussatô) - estavam grafadas erroneamente.
Aproveito para falar de dois assuntos.
Primeiro, não falo japonês. Não sei se culpo minha falta de tempo, o fato de ser sansei (neta de japoneses portanto), ser mestiça de pai nissei (noto que as mães passam mais esta "cultura dentro de casa") ou se é uma falha da minha mesmo. Enfim, não entendo e o pouco que estudei quando morei em Tokyo vive em atrito com o que aprendi da Batian (que nasceu na Era Taishô) e com o que se fala nos kenjinkais e seinenkais que já frequentei. Aprendi com um método chamado Japanese For Busy People, da AJALT (http://www.ajalt.org/sfyj) e lá o método se baseava na grafia Hepburn, que é uma das várias utilizadas para romanizar o japonês. Para mim o único chan (tian) que continua com T é de Batian, porque acostumei a chamar a minha avó assim. Mas o resto, é "chan", como chamo meu filho Enzo, En-chan (Enzinho, né?), e Gio-chan (Giorginho). Estas são apenas algumas das imensas diferenças que separam o Japão de meus avós do "meu" Japão.
Ainda hoje, quando alguma pessoa de Niigata (província de origem da Batian Matsuno) visita a empresa, o pessoal comenta que eles falam com sotaque do interior. Claro que eu não consigo distinguir nada, mas enfim, falo com sotaque caipira várias palavras, especialmente da culinária. Meu esposo, que descende de italianos, espanhóis e portugueses, mas teve o bom senso de estudar um pouco de nihongo no Bunkyo de Curitiba, me corrige freqüentemente e me ensina algumas regras de etiqueta japonesa que eu não conhecia.
Enfim, no lado japonês não tive uma educação social, minha mãe (neta de alemães e portugueses) achava tudo tão lindo e educado no Japão e na conduta de minha Batian que nunca questionou se os hábitos eram finos ou não. Eram, simplesmente, irreparáveis. E o carma que eu carrego do cônjuge brasileiro saber mais do que o nikkei vem dos meus pais: minha mãe sempre apreciou mais a cultura japonesa do que meu pai, que é brasileiro por dentro e japonês só por fora. (brincadeira)
A outra questão é sobre os nisseis. Empiricamente eu separo os nisseis em dois tipos: os que tiveram sua cultura preservada pelos pais, o que começa pela manutenção do idioma como língua principal dentro do lar, e os que não tiveram esta imersão cultural e receberam mais estímulo para adaptação ao país onde nasceram. Meu pai corresponde a esta geração e, grosso modo, posso considerar que seus cinco de seus sete irmãos também. Apesar de terem aulas de nihongo no sítio (ministradas pelo irmão mais velho, a quem chamei sempre de "tio Nissan"), eles não falam o suficiente do idioma dos pais. Lembro-me nitidamente de ter visto, escondida, minha Batian ralhar com meu pai duas vezes, ela falando e ele simplesmente respondendo: hai, hai. Cresci acreditando que era um imenso respeito dele não responder mal à mãe, mas hoje sei que era pura falta de vocabulário - ou, quem sabe, até de entendimento!
Ao se aposentar no Banestado (como muitos filhos de imigrantes, meu pai foi um funcionário público de carreira, para alegria de seu pai), ele foi trabalhar no Japão para conhecer a terra dos pais. Lá viveu o que muitos nisseis passaram: o constrangimento de parecer japonês, mas não ser. E usar o bom e velho "nihongo wakaranai" era uma saída rápida para a falta de habilidade na conversação. A mesma habilidade que os pais nisseis esperam que seus filhos sanseis tenham com idiomas que, na opinião deles, nos dariam um futuro melhor, como o inglês, eventualmente espanhol e francês. Estudei em escola técnica (Cefet-PR) com muitos nikkeis e considero que a minha geração foi a da negação do nihongo. Assim, cá estou eu, tendo morado dois anos no Japão falando basicamente o inglês. E continuo sendo alguém que "nihongo wakaranai".
Como se sairão meus yonseis? Creio que serão como esta geração de filhos de dekasseguis que estudou um pouco lá, um pouco aqui e consegue fazer a síntese do Brasil e Japão melhor do que nós.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil