Conte sua história › Samantha Shiraishi › Minha história
Em 2006 fui contatada por uma pastora da Igreja Holliness que está participando de um projeto para pensar como será o dekassegui daqui a 10 anos. Achei a idéia muito interessante, ofereci-me de pronto a ser uma colaboradora permanente. Tenho grande simpatia pela Holliness, se eu frequentasse uma igreja seria esta. Temos um casal de amigos que apreciamos muito e são "criados" na igreja, a Megumi e o Lucas.
Mas sempre que ouço falar de algum projeto ou estudo sobre dekasseguis eu me preocupo. Nesta década ligada ao movimento eu notei que a maioria das pessoas que resolve estudar o movimento dekassegui e pensar o futuro dos dekasseguis não foi realmente dekassegui. Sinto pesar porque não percebo que as ações, as propostas e as hipóteses são 100% válidas, por não ter identificação e real conhecimento de causa. Quem sabe desta vez?
De certa forma compreender o dekassegui é principalmente nos colocarmos no lugar de nossos ancestrais, dos nossos pais e avós que vieram para este país sem compreender nada em busca de uma condição de vida melhor. Creio que se compararmos as situações que as diferentes gerações de migrantes dekasseguis viveram perceberemos que há muitos pontos em comum nas dificuldades enfrentadas e na forma como eles reagem a elas e ao ambiente hostil. É um ponto para começarmos a compreender.
Ela me perguntou:
Posso deduzir que o fenômeno dekassegui seguirá as tendências dos caminhos que nossos (meus) pais tomaram?
Respondi que não sei se tomará os mesmos caminhos, mas vejo que os atuais dekasseguis estão repetindo muitos comportamentos: fecham-se em nichos, negociam quase só entre si, ainda casam-se praticamente entre si, não estruturam de fato as questões de moradia porque consideram que a experiência é provisória e poucos estão fazendo uma carreira propriamente dita, pensando em crescer em alguma empresa e se aposentar, coisas que geralmente um trabalhador nikkei pensaria.
Por outro lado, considero uma pena o fato de eles não darem a mesma importância à educação que nossos ancestrais deram, talvez porque muitos dos que se foram daqui eram pessoas com pouca capacitação formal, não a considerando imprescindível. Mas o fenômeno das escolas em separado, como eram os nihongakkos de antigamente nos sítios, ainda se mantém. No entanto, vejo que as crianças de lá, hoje já adolescentes e muitos dos quais interagem comigo pela internet, falam muito mal a língua natal dos pais, como aconteceu com a geração do meu pai (por exemplo), um nissei que só escuta japonês, não fala.
O que eu percebo em todos os fenômenos migratórios é que há uma repetição de vários comportamentos que foram assimilados pelo exemplo, e noto que no fenômeno dekassegui este também é o fator que diferencia os pretensos "sucessos" e "fracassos".
Considerando "sucesso", do ponto de vista da sociedade, como a pessoa que foi e conseguiu se sair bem, voltar com muito dinheiro e construir uma segurança financeira aqui e "fracasso" o que não fez nada disto e se tornou o "dekassegui profissional", que vive no vai-e-vem entre Brasil e Japão há muitos anos e não se ajusta mais ao nosso país, passando apenas breves períodos aqui.
Mas considerar um bem-sucedido e o outro fracassado é um ponto de vista muito superficial. Muitos de nós também, apesar de sermos brasileiros, sentimos o apelo da terra natal ao conhecer o Japão, e passamos a ter o nihongairi que nossos ancestrais sentiram por todo o tempo que permaneçam no Brasil. Há quem o sinta mais pelo Brasil, outros pelo Japão.
Então como julgar o que conflito que assola o dekassegui quanto ao seu futuro?
Ela também me perguntou como eu achava que seria o dekassegui daqui a 10 anos.
Não saberia dizer como as coisas vão ficar daqui a 10 anos. Quando vim embora do Japão, em novembro de 1999, uma revisão da lei de migração estava entrando em discussão e imaginávamos que ela permitiria a entrada de yonseis. Sete anos depois o que se vê é um movimento no sentido contrário.
No entanto, pela minha experiência e convivência com os brasileiros residentes lá (engraçado, mas no jornal as pessoas ligavam para desabafar, sem saber mais a quem recorrer e eu tive de fato a experiência de ser operária antes, juntando muitas histórias)eu acredito que cada um vai manter o caminho que já definiu: quem se interessou pelo idioma melhorará, quem procura se aculturar e conhecer as nuances da etiqueta social continuará seu polimento, quem optar pelo nicho brasileiro continuará assim.
Parece mentira, mas é possível mesmo viver muito tempo lá sem falar nem uma palavra de japonês ou falando cerca de 5 ou 10 verbos apenas em seu tempo verbal mais simples (aru, wakaru, nai, shiranai, wakaru, wakaranai). Como nossos ancestrais que motivaram o sambinha "tem roupa prá lavá, tem sim senhor, tem roupa prá passá, tem sim senhor" alguns brasileiros de lá entrarão para o folclore e serão figuras cotidianas, diferentes, mas de certa forma integradas.
Então, basicamente, eu acho que em 10 anos os brasileiros farão parte do Japão. Simplesmente uma parte, integrada na medida do possível e preservando sua cultura como ocorre com muitos nichos de migração no mundo a fora.
http://samanthashiraishi.wordpress.com
http://movimentodekassegui.blogspot.com
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=3033445
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil