Conte sua história › Jorge J. Okubaro › Minha história
Mas é importante destacar que, apesar do interesse que desperta no leitor, o episódio da Shindoo Renmei não é o centro, talvez nem o relato principal, de meu livro. O que procurei escrever foi um livro que, tendo como fio condutor a biografia de um imigrante comum, um homem comum, trouxesse um painel do processo da imigração japonesa no Brasil. Procurei colocar esse painel sobre um campo mais amplo, a história do Japão no período, sua evolução política, econômica e social; a história da Okinawa em que meu pai nasceu e viveu seus primeiros anos; a história do Brasil que recebe os imigrantes japoneses e se transforma com rapidez na primeira metade do século 20.
Do ponto de vista de estilo, procurei fugir do texto jornalístico, embora em muitos momentos tenha procurado inspiração no que os melhores textos jornalísticos têm para nos ensinar. Evitei, entretanto, a combinação indispensável das características essenciais do bom texto jornalístico, que são a precisão, a concisão, a clareza, a elegância, a frieza possível na exposição dos fatos. Não que abdicasse dessas características. Apenas entendi que juntas, indissoluvelmente unidas, elas poderiam retirar emoção de um texto que eu pretendia que fosse literário.
Para dar um caráter humano, falível ao meu personagem principal, mostrei suas fraquezas, sem, como contraponto, superestimar suas qualidades. Fiz dele, como disse, um homem comum, com virtudes e defeitos. É um homem como outros homens. Com valores específicos de um homem formado intelectualmente na Era Meiji, um súdito do Império Japonês, daí, mais uma vez, o título do livro.
Para dar concretude, credibilidade, verossimilhança ao personagem principal, procurei como que entrar na sua mente, pensar com ele, pensar como ele, sentir duas aflições, suas angústias, suas incertezas, seus temores. É, por certo, um recurso literário que, objetivamente, retira do livro o caráter documental. Mas o resultado, a meu ver, não destoa do conjunto do livro.
Trouxe para dentro dele cenas do cotidiano. O afiar da navalha para barbear, o sacrifício do porco, a preparação de uma sopa de cabrito, as broncas, algumas homéricas, nos filhos, os momentos raros de prazer e felicidade, a dura tarefa de colher com as mãos o fruto do cafeeiro, a geada, a malária, a difteria, a morte, a vida.
O subtítulo do livro, “Banzai, Massateru!” merece explicação. A palavra “banzai” é carregada de significados. Foi a expressão que os imigrantes que chegaram ao Brasil antes da guerra usaram em ocasiões festivas, como casamentos. Essa era também a maneira formal, solene de se saudar o imperador. Quando partiam para o sacrifício, os pilotos dos aviões-bomba empregados na etapa final da guerra do Pacífico, os kamikaze, diziam “Ten’noo Heika, Banzai!”, ou “Mil vidas ao Imperador”, “Viva o Imperador!”, “Salve o Imperador!”. É uma palavra que tem uma carga política e ideológica muito forte.
Modernamente, a saudação em japonês é “Kampai!”. Preferi, no entanto, a forma antiga, que na minha memória é como saudávamos um grande feito, um evento ou uma pessoa merecedora da saudação. É, assim, uma maneira de saudar meu pai e, saudando-o, saudar os imigrantes japoneses no Brasil.
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* Jorge J. Okubaro nasceu em Araraquara no dia 26 de julho de 1946. Jornalista profissional há quase 40 anos, trabalha desde 1989 no Grupo Estado, onde exerce a função de editorialista do jornal “O Estado de S. Paulo”. Além de “O Súdito (Banzai, Massateru!)” (Editora Terceiro Nome) – indicado como um dos finalistas do Prêmio Jabuti, categoria reportagem, de 2007 –, é autor também do livro “O Automóvel, um Condenado?” (Editora Senac), no qual destaca o papel relevante do automóvel na sociedade contemporânea e discute seu futuro, diante das crescentes restrições que vêm sendo impostas a seu uso em todo o mundo.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil