Conte sua história › Jorge J. Okubaro › Minha história
Em muitas famílias de imigrantes japoneses, talvez na maioria delas, terá havido algum membro que pensou em registrar em livro sua história. Por isso, certamente a idéia de escrever um livro sobre minha família – e que resultou na obra O Súdito (Banzai, Massateru!) (Editora Terceiro Nome), de minha autoria – não era inédita.
Nem nova, acrescento. Há anos se dizia, em rodas familiares, que um dia alguém teria de escrever nossa história. Por razões de ofício – em casa, sou o único de minha geração que vive de escrever –, fui incumbido da tarefa. Mas, no fundo, era uma incumbência teórica, a ser cumprida se e quando possível, quando houvesse uma oportunidade.
A oportunidade surgiu por volta do ano 2000, quando foi lançado o livro Corações Sujos, de Fernando Morais, que trata de um aspecto da história da Shindoo Renmei, uma organização nacionalista formada logo depois de terminada a Segunda Guerra com a finalidade de disseminar a idéia de que o Japão ganhara a guerra. O livro é ótimo, muito bem escrito. Mas não esclarecia questões que me intrigavam desde o dia em que soube que meu pai uma dia fora metido atrás das grades por pertencer à Shindoo Renmei, que quer dizer “Liga do Caminho dos Súditos” – daí o título de meu livro, “O Súdito”.
O livro de Fernando Morais relata a organização, a preparação, a execução de atentados – a maioria dos quais resultou na morte da vítima – praticados por membros da Shindoo Renmei. É o lado mais negro da história da imigração japonesa no Brasil. Mas o livro deixa a impressão de que os japoneses eram um bando de bárbaros, incapazes de compreender os fatos e dispostos a praticar as coisas mais horrendas que a espécie humana é capaz de conceber. Considerando-se que, de acordo com as autoridades policiais, de 80% a 90% dos imigrantes japoneses eram associados da organização ou a apoiavam de algum modo, seriam bárbaros os imigrantes japoneses?
Já numa resenha do livro Corações Sujos que publiquei no Caderno de Sábado do Jornal da Tarde, em 10 de fevereiro de 2001, procurei alinhar argumentos para tentar responder a essa indagação. Dei à resenha o título “Os anônimos da Shindo Renmei” (foi esta a grafia que adotei na época). Transformei meu pai num personagem para contrapô-lo aos personagens descritos no livro de Fernando Morais. Massateru, o meu pai, era um anônimo se cotejado com os personagens que fazem parte do livro de Fernando Morais. Na resenha, procurei mostrar como, por suas crenças arraigadas, por sua formação escolar, por seus hábitos, pelos valores éticos que adquiriu em criança e consolidou ao longo da vida, um imigrante como ele não poderia pensar de maneira diferente no fim do grande conflito mundial. Por tudo que ele aprendera e por tudo em que ele acreditava, o Japão não podia ter perdido a guerra – portanto, a vencera.
Mas eu não queria escrever um livro sobre a Shindoo Renmei. Pretendia escrever a biografia de meu pai, suas condições de vida ao nascer, sua formação, as razões pelas quais tivera de emigrar – ninguém emigra naquelas condições porque quer, mas porque as circunstâncias o obrigam a partir em busca de vida melhor –, sua chegada, suas sensações do outro lado do mundo, suas agruras e seus prazeres, sua história.
Comecei a ler tudo o que se escreveu sobre imigração japonesa no Brasil. Uma leitura me remetia a outras. Anotava as referências bibliográficas e saía à cata dos títulos de que ainda não dispunha. Num sebo no centro velho da cidade de São Paulo, encontrei um vendedor que, não sei por que motivo, tinha um pacote de livros sobre japoneses e imigração japonesa. Eram uns 15 títulos. Nem perguntei o preço. “Aceita cartão de crédito?”. Comprei tudo.
Contei, felizmente, com a generosa ajuda de um amigo juiz de Direito, que me abriu as portas do Poder Judiciário para solicitar o desarquivamento do Processo Judicial da Shindoo Renmei, pois esse era um documento essencial da minha pesquisa. Tive acesso a todos os volumes do processo, considerado então o maior da história do Judiciário brasileiro.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil