Conte sua história › Tatiana Aoki Cavalcanti › Minha história
Confesso que não sabia muito sobre minha família, nem tinha muito interesse nesse sentido. Embora lembre vagamente de meu ditian e batian contando suas memórias, talvez eu não tivesse muito empenho em saber das origens dos Aoki. Acho que ouvia sem atenção, vontade mesmo. Queria é jogar videogame e andar de bicicleta quando ia a Taquarituba, cidade em que meus avós viviam, no interior de São Paulo. No entanto, meu comportamento não é incomum. Segundo Bosi (1994, p. 83), o velho
nos aborrece com o excesso de experiência que quer aconselhar, providenciar, prever. Se protestamos contra seus conselhos, pode calar-se e talvez querer acertar o passo com os mais jovens. Essa adaptação falha com freqüência, pois o ancião se vê privado de sua função e deve desempenhar uma nova, ágil demais para o seu passo lento.
Esse comportamento impaciente diante dos mais velhos, incluindo o meu comportamento em relação aos meus avós, pode ser um dos motivos para que estes parassem de falar de seu passado, ou melhor, priorizassem o futuro, adequando-se ao pensamento adulto.
A autora continua, mostrando o que posso ter perdido por não ter perguntado a história dos meus antepassados: “A sociedade perde com isso. (...) O velho é alguém que se retrai de seu lugar social e este encolhimento é uma perda e um empobrecimento para todos” (BOSI, 1994, p. 83).
Continuo me indagando o porquê de não ter perguntado ao meu ditian e batian uma única vez sobre o passado deles no Japão. Bosi (1994, p. 84) responde à questão com desenvoltura:
Por quê decaiu a arte de contar histórias? Talvez porque tenha decaído a arte de troca experiências. A experiência que passa de boca em boca e que o mundo da técnica desorienta.
O mais triste é que, nos meses finais antes de morrer, eu sequer fui visitar meu ditian. Pior, quando o fiz, não perguntei nada que pudesse ficar para posteridade, que complementasse meu conhecimento a respeito da vida e da morte. Seria uma espécie de rejeição à morte? Segundo Bosi (1994, p. 88) “a civilização burguesa expulsou de si a morte; não se visitam moribundos, a pessoa que vai morrer é apartada, os defuntos já não são contemplados”. Já com relação à minha batian, ela morreu de ataque cardíaco nos braços de minha mãe, em São Paulo. Eu tinha apenas nove anos.
À parte dessas lamentações, pois nunca é tarde para ir atrás de nossas origens, comecei minha busca incessante de pessoas que me orientassem na compreensão do “ser quem eu sou”.
E a vontade de saber sobre minhas origens se deu por duas vias: quando fui fazer arubaito (trabalho temporário no Japão nas férias da faculdade) em 2005, no qual fui ao Japão pela primeira vez e me interessei muito pelo país e sua cultura. E o fato de o ano de 2008 ser comemorado o centenário da imigração japonesa ao Brasil. No entanto, meus avós, que seriam as maiores fontes de informação, já tinham falecido – meu ditian em 2003 e minha batian, em 1995.
O contato que tenho com minha família Aoki não é muito grande, principalmente por questões geográficas, mas também pelo distanciamento que o cotidiano promove nas pessoas. Dessa forma, resolvi procurar as fontes pelo meio mais fácil: a Internet.
Mandei e-mail para meus primos, a fim de que estes entrassem em contato com seus respectivos avós, pais, tios, etc., e me mandassem informações. Contudo, o retorno foi escasso e poucos se interessaram. Ou seja, neste caso, a utilização das novas tecnologias no sentido de unir as pessoas foi em vão – provavelmente a geração mais jovem quer se voltar ao futuro em detrimento do passado, como fazem hoje os jovens japoneses, globalizados e voltados para a modernidade. Vi que a forma mais eficiente de conseguir materiais era recorrendo a eles – os mais velhos.
O encontro com velhos parentes faz o passado reviver com um frescor que não encontraríamos na evocação solitária. Mesmo porque muitas recordações que incorporamos ao nosso passado não são nossas: simplesmente foram relatadas por nossos parentes e depois lembradas por nós (BOSI, 1994, p. 407).
Resolvi juntar o pouco de dinheiro que tenho e o gastei nas passagens para o interior de São Paulo, a fim de descobrir o mistério de minha famíla (parecido com o filme “Uma vida iluminada” , calculadas as devidas proporções, afinal, a personagem atravessou o mundo em busca da origem de sua família).
A primeira parada foi Avaré, no sudoeste do Estado. Em Avaré colhi os dois principais depoimentos: meu tio-avô Hideyo, 67 anos, caçula de nove irmãos; e Satiko Aoki Watanabe – mais conhecida como Tia Rosa –, 74 anos, irmã de Hideyo e a sexta irmã dos Aoki. Dos nove irmãos, três faleceram. A mais velha, com 89 anos, continua viva, mas com saúde frágil. Por conta disso, não consegui entrevista-la: sua filha, Maritian, me avisou que emoções fortes poderiam afetar sua saúde já debilitada.
De qualquer forma, chegando a Avaré, meu Tio Hideyo me deu uma cópia do passaporte da família Aoki – onde tudo começou, em 1933. Por coincidência, 1933 é o primeiro ano de estudo da minha pesquisa de iniciação científica, ou seja, tenho certo conhecimento histórico do período.
Mesmo sendo o mais novo dos irmãos, Tio Hideyo é um dos mais interessados em reconstituir o passado da família, tanto que encomendou uma árvore genealógica, com todos os seus membros depois da vinda de meus bisavós.
No dia seguinte, também fui a Taquarituba, na casa-origem da família Aoki. Por conta da bagunça de meus tios, não achei quase nada de fotos e materiais. Das que achei, as digitalizei prontamente.
Após a visita frustrada a Taquarituba, dei a cartada final: em Avaré, entrevisto minha tia-avó Rosa. No início, tia Rosa disse que não tinha lembranças nem material. No etanto, como preconiza Bosi (1994, p. 416),
“um dia inteiro pode dividir-se entre antes e depois de uma visita inesperada”
E foi lá mesmo, após certa insistência, que encontrei muitas fotos raríssimas e bem organizadas. E o melhor, tia Rosa as emprestou sem cerimônia..
Satiko Aoki Watanabe cantando no Karaokê
As opiniões emitidas nesta página são de responsabilidade do participante e não refletem necessariamente a opinião da Editora Abril
Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil