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A história da família Aoki começa na província de Wakayama, ao sudeste do Japão, no final da década de 20. Com dificuldades financeiras, Manryo e Kohina Aoki trabalhavam como lenhadores na província de Wakayama-ken, considerada pelos japoneses uma província de “caipiras”, por conta do sotaque e da distância geográfica da cidade-referência, Tóquio.
Eles já tinham seis filhos e viviam em dificuldades financeiras para sustentá-los. De acordo com Sakurai (2007, p. 170),
No início dos anos 1920, uma grave crise se abateu sobre o país. Quando a Grande Guerra terminou, a competição internacional voltou aos seus patamares anteriores. As indústrias japonesas procuraram manter os seus negócios internacionais, mas encontraram dificuldades. A situação ficou mais grave para a população em geral, que teve de arcar com o ônus dos impostos e da alta de preços. No campo, a desigualdade social e econômica era cada vez mais evidente.
Tais emblemas foram decisivos para que os Aoki decidissem imigrar ao Brasil – além da imagem propagada pelo governo japonês/brasileiro de que o Brasil era um antro de riquezas e prosperidade. Obviamente, não era bem assim: os recém-chegados trabalhavam muito, com baixa remuneração, mais parecendo trabalho escravo. Segundo meu tio-avô Hideyo, a viagem de navio durou 45 dias até o Brasil, quando chegaram em 6 de maio de 1933, em Santos.
Primeiramente, minha família chegou à região Mogiana, perto de Ribeirão Preto. Tal fato vai de encontro com a afirmação de Sakurai (2007, p. 248) ao apontar que grande parte dos imigrantes “se deslocaram em várias direções a partir do núcleo de maior produção do café, que na época era a região Mogiana”.
O trabalho inicial era nas lavouras de café. “Colhiam café, limpavam. Era muito trabalho, acordavam cedo, e almoçavam umas nove da manhã”, conta Hideyo.
Embora esse não fosse o objetivo do governo brasileiro, o qual promoveu a imigração para que os japoneses ficassem no Brasil, os Aoki (e grande parte dos imigrantes) queriam juntar dinheiro e voltar para o Japão. “Minha família veio aqui para ganhar dinheiro, e eles sofreram muito, porque acharam que no Brasil ia ganhar dinheiro rápido, mas não foi bem assim. Eles queriam voltar para o Japão, por isso que não compravam sítio nem faziam grandes planejamentos. O objetivo era economizar e voltar ao Japão. Igual ao que acontece hoje, quando os brasileiros vão para o Japão juntar dinheiro”, afirma Tia Rosa, como é conhecida entre os parentes Aoki.
Como estava difícil juntar dinheiro suficiente para voltar ao país do sol nascente, Manryo Aoki economizou a fim de comprar terras no Brasil mesmo. Eram terras inexploradas na região Noroeste do Estado, mais especificamente no município de Taquarituba, nas proximidades de Avaré. Foi uma boa cartada para a família, pois teriam a primeira propriedade. Ao chegar ao local, todos os integrantes tiveram que cortar árvores e limpar a área comprada, como verdadeiros “pioneiros”.
Dentre os diversos riscos que corriam ao trabalhar mata adentro, os maiores eram a malária e a leishmaniose.
As primeiras áreas “limpas” começaram a ser exploradas com plantações de subsistência e, depois, para fins comerciais. Sujeitos aos riscos de doenças tropicais, como a malária e a leishmaniose (“ferida brava”), as famílias japonesas lutaram para conseguir sobreviver com todas as esperanças depositadas no resultado das primeiras colheitas. No início, não podiam contar com a existência de vendas ou tratamento médico nas proximidades (SAKURAI, 2007, p. 248).
O mais velho dos irmãos, Toshimi (também conhecido como Dito), certa vez contraiu uma doença forte, que quase veio a falecer, segundo conta tia Rosa. “Muita gente morria. Eu via quase todo dia pessoas carregando caixões de mortos por doenças”.
Tio Hidê, o filho mais novo de Manryo e Kohina, conta que, no início, a casa dos Aoki não era bonita, com chão de terra – provavelmente porque não queriam criar raízes no Brasil. Ainda assim, guarda boas lembranças do local em que nasceu. De acordo com Bosi (1994, p. 442), “a casa onde se desenvolve uma criança é povoada de coisas também preciosas, que não tem preço”.
Somente em 1945 que compraram a primeira residência: muito bonita, por sinal, e todos os parentes se lembram da época “do sítio” com muito saudosismo. Bosi (1994, p. 74) mostra a importância de uma casa acolhedora na memória do indivíduo.
“O que é um ambiente acolhedor? Será ele construído por um gosto refinado na decoração ou será uma reminiscência das regiões de nossa casa ou de nossa infância banhadas por uma luz de outro tempo?”.
Na fazenda em Rio Pardo, tia Rosa lembra sua infância: “quando eu era pequena, levava almoço na roça. Depois tocava corneta para a hora do almoço – umas nove da manhã”. Outro hábito cultivado pelos imigrantes era o de tomar banho de ofurô (tina de madeira cheia de água quente). O banho era coletivo, respeitando uma hierarquia – homens chefes de família, homens mais velhos, e, finalmente, mulheres e crianças – utilizando a mesma água (SAKURAI, 2007, p. 31). Hideyo conta que todo mundo tomava banho de ofurô, seja frio ou calor. “Eu tomava banho até depois de grande, porque meus pais eram acostumados”, relata.
Segundo o caçula dos nove irmãos, uma lembrança recorrente é de sua mãe cozinhado. “Minhas irmãs ajudavam na cozinha. A gente também fazia muita conserva e nós mesmos plantávamos as hortaliças”.
Por sua vez, Tia Rosa conta que sua maior frustração foi não ter ido à escola – todos os irmão pararam de estudar quando chegaram ao Brasil. Apenas o mais novo, Hideyo, se formou em agronomia pela USP e hoje tem doutorado na área.
“Eu queria estudar, mas não tinha escola. Como não estudava, minhas atividades eram tirar água de poço, jogar água no jardim. E só aprendi a ler e escrever com o Michio (meu ditian). Jantava e depois ele me forçava a estudar por duas horas todos os dias. Graças e ele, aprendi”, conta, orgulhosa, tia Rosa.
Já para a geração mais nova, que teve a oportunidade de estudar, o cotidiano também não era fácil: tinham que caminhar 3 ou 4 quilômetros a pé para irem à escola. Julia Aoki, minha mãe, contou certa vez que os mais velhos contrataram uma professora brasileira para morar na fazenda e ensinar os descendentes. Ela afirma que o fato de ter contato com os brasileiros foi decisivo para que Julia não aprendesse falar o japonês fluentemente.
Tio Hideyo também conta a influência do contato com os chamados “camaradas” brasileiros – que trabalhavam na fazenda: aprendeu com eles o futebol, esporte que se tornou fanático. Antes, praticava baseball. Ditian também era fã de baseball, tanto que, quando ficou mais velho, se tornou técnico do esporte na região.
Por ironia do destino, o próximo esporte de que Hideyo se tornou fã foi o tênis – que aprendeu no Japão, na década de 80, quando ficou lá por quatro meses. Hoje, Hideyo é fã de golfe.
Quando pergunto a ele como era cada um de seus irmãos, Hideyo é enfático: “O Michio era o mais brincalhão... os demais eram bem quietos, todos eles”. Pelos depoimentos, consto que meu ditian era o mais brincalhão e o mais criativo também. Minha mãe contou certa vez que ditian era autodidata em instrumentos musicais, ou seja, ele tocava qualquer instrumento sem cerimônias nem treinamento. Quando eu era criança, lembro dele pegando um violino de um amigo e tocando, no meio da rua, na maior intimidade com o instrumento.
Segundo Hideyo, assim como ele, Michio também era muito bom esportista: “O Michio gostava muito de esporte. Ele treinava uns esportes que no Brasil ninguém conhecia, como lançamento de disco, dardos, entre outros”.
Tia Rosa dá seu parecer sobre sua família: “Meu pai era inteligente, porque previu que buscar novas terras seria um bom negócio. Minha mãe também era muito inteligente – escreveu no diário até um dia antes de morrer. No Japão diziam que mulher não precisa estudar, mas minha mãe estudou”. Essa cultura da mulher submissa a seu marido, sem necessidade de grandes investimentos no estudo, perdura até hoje no Japão, como relata Sakurai (2007, p. 320):
Até o casamento, as jovens estudam conforme as possibilidades financeiras dos pais (...) e do seu desempenho pessoal. Poucas são as mulheres que se dedicam a um carreira profissional, dividindo o seu tempo entre o trabalho e a família. (...) Tornar-se uma “mãe sábia” tem total prioridade sobre o sucesso profissional das mulheres (...).
Hideyo conta o que lembra de seus pais: “Meu pai era caladão também. Minha mãe só falava para dar bronca. E quando a gente fazia mal criação, meu pai não batia, mas me prendia em um quarto. Nunca esqueci essa passagem”. Já Tia Rosa conta que também nunca apanhou, ao contrário de sua irmã, Iracema. “Nunca apanhei. A Iracema que apanhou muito, porque acho que era mais levada”, conta, aos risos.
Dizem que os japoneses são unidos e gostam de uma festa. Na verdade, quase todas as colônias faziam parte de associações, que juntava várias famílias para se divertir nos finais de semana. Tia Rosa, que tem uma estante lotada de troféus, afirma que o gosto de cantar se deu na infância. “Naquele tempo fazia muita festa, cantava, era muito divertido. Por isso que hoje eu canto. Comecei a competir depois dos 60 anos no karaokê”. Hoje, Satiko Watanabe, como é conhecida em Avaré, é uma referência entre os cantores da cidade. Sempre compete e ganha diversos campeonatos da região.
Tio Hidê relembra os dias de lazer de sua infância. “Eu jogava baseball na infância, e a colônia de Barra Grande era muito boa, com várias famílias de japoneses. Todo domingo a gente se juntava na colônia, no kaikan (espécie de praça em que todos iam) como todas as outras colônias, que também faziam o mesmo”. Dentre as festas, a mais famosa é o undokai, conta Hideyo. “Undokai era festa tradicional, sagrada, todo ano tinha. Porque todo mundo aproveita – desde crianças até mais velhos. Mas hoje não freqüento mais nada da colônia japonesa. Porque temos outras atividades: eu jogo golfe, faço parte da maçonaria, minha esposa freqüenta o centro espírita. E não sinto falta de um maior contato com os descendentes, porque me sinto bem brasileiro”.
Nota-se que, embora a família Aoki mantenha alguns hábitos japoneses, ela está cada vez mais “abrasileirada”: muitos dos netos de Manryo e Kohina Aoki casaram-se com não-descendentes de japoneses – gerando os intitulados “mestiços”, como eu e minha irmã. Isso demonstra que os Aoki absorveram de vez a cultura da nova terra e se adaptaram ao Brasil.
Contudo, a história de uma família não acaba, nem acabou. É uma árvore que se ramifica cada vez mais, gerando duas conseqüências: uma separação ou aumento da família – espero que a segunda alternativa seja o destino da minha.
Satiko Aoki Watanabe cantando no Karaokê
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil