Conte sua história › Silvio Sano › Minha história
Quando Nádia Kaku, ex-integrante dessa extraordinária equipe da Abril no Centenário da Imigração, me convidou para inserir minha história neste site, explicou-me para que o fizesse vinculada à da imigração japonesa no Brasil. Isso foi em outubro de 2007, lá no princípio deste site. Assim o fiz.
Mas, com o tempo, como todos os produtos criados pela Editora Abril, o site acabou ganhando tanta repercussão que as histórias foram “pingando” constante e naturalmente, de forma que o escopo original, tal qual Nádia havia me orientado, se transformou em algo como “história dos ancestrais”... por aqueles que as conheciam. Os demais continuavam expondo a si mesmos, contando suas próprias histórias. Por isso, em meus textos, desde o início, não havia exatamente uma história sobre meus pais, apesar de muitas referências a eles.
Então, como, além de tudo, este site foi incorporado ao do Museu da Imigração Japonesa do Bunkyô (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social), mas continua aberto, nada mais justo (mesmo que atrasado) que eu registre aqui, pois, a história deles, bem como de minha esposa, também imigrante, à posteridade.
TSUNESHI E FUSSAKO, meus pais
Tsuneshi, meu pai, que nasceu na província de Mie, no Japão, primogênito de Tsuneichi e Kiyo Sano, desembarcou, aos 7 anos, com a família, no porto de Santos, no dia 17 de julho de 1918, a bordo do vapor Wakasa Maru. Juntos, além dos pais, os irmãos Tsuneo (5), Tsunehiro (3), Tamao (1) e um tio, Yoshimi (15), irmão mais novo do pai.
Acredito que a família dele possa ser considerada padrão para imigração japonesa no Brasil, pelas seguintes razões: 1. emigrou devido à crise econômica que assolava o país na época, atraída pela propaganda enganosa do enriquecimento fácil (“árvores dos frutos de ouro” - café); 2. trouxe alguém de “fora” (tio Yoshimi) a fim de atenderem a exigência da Imigração, na época, de três mãos produtivas por família (idade mínima = 12 anos); 3. um membro da família (a bebê Tamao) faleceu durante a viagem de vinda, correndo o risco de ter sido jogado ao mar, praxe da época (conseguiram escondê-lo e enterrá-lo em terra brasileira); 4. passou pela Hospedaria dos Imigrantes antes de se dirigir à uma determinada fazenda; 5. o pai, acometido de febre amarela, faleceu poucos anos depois de desembarcarem no país, deixando a esposa e o irmão Yoshimi como únicas mãos produtivas, além de seis filhos menores de idade (meu pai, primogênito, tinha ainda 11anos de idade), passando, devido a isso, por períodos de privações; 6. superou todas as adversidades e ainda conseguiu que o filho caçula, irmão de meu pai, se formasse médico; 7. quase 100% dos 35 netos de Tsuneichi chegou às universidades; 8. mudou do sítio para área urbana (Onda Verde, próximo a São José do Rio Preto), onde deu início à estabilização; 9. migrou de uma cidade para outra (Vila Pereira, atual, Fernandópolis), onde estabeleceu-se de vez; 10. marcou presença na comunidade japonesa local (a construção do “kaikan” = clube japonês apenas se viabilizou devido ao seu aguerrido empenho); 10. um dos filhos de Tsuneichi, exatamente, meu pai, resolveu vencer também na cidade grande, capital do Estado, formando seus sete filhos e servindo de “ponte”, aos sobrinhos que também resolveram buscar a cidade grande, logo após.
A vinda para São Paulo se deu no início do ano de 1961, com o mobiliário sendo transportado de caminhão, num percurso de 550 km, enquanto a família se locomovia, de trem, até a capital. A primeira residência foi um sobrado alugado para uma família composta por 9 pessoas e um sobrinho, o primeiro a acompanhar a família à cidade grande.
Três anos depois, construiu residência-própria. Assim como em Fernandópolis, tão logo teve conhecimento da Associação Mie Kenjin do Brasil passou também a colaborar com a mesma, até o final de seus dias. Por isso teve o reconhecimento por parte do governo daquela província que o contemplou com uma homenagem, quando já apresentava graves problemas de saúde (veja a foto na Galeria). O meu pai sempre foi assim. Em Fernandópolis, por exemplo, foi o maior cabo eleitoral de candidatos nikkeis aos pleitos regionais e nacional. Em São Paulo, fazia o mesmo cobrindo completamente o seu fusquinha com cartazes dos candidatos (veja foto), levando sempre consigo uma pequena escada para colá-los nos postes. Mas era também um entusiasta dos desempenhos dos nikkeis em todas as áreas. Nos dias seguintes dos exames vestibulares, por exemplo, pegava as listas dos aprovados nos jornais e ficava grifando em vermelho os nomes nikkeis, para depois contá-los, um a um.
Papai casou-se com Fusako Ogura, primogênita de Kanetaro Ogura (vide perfil próprio, neste site) pela forma tradicional do Omiai, com quem teve sete filhos, em um casamento “bodas de ouro”. Mamãe chegou ao Brasil com 14 anos, ou seja, completamente alfabetizada. Por isso, lia e escrevia com facilidade a língua japonesa e se mantinha atualizada graças aos periódicos, revistas e livros japoneses que meu pai lhe disponibilizava. Conforme descrito na história de meu avô materno, Kanetaro, minha mãe tem, portanto, descendência da família imperial, mais precisamente ligada à ex-Imperatriz Nagako. A confirmação veio com a presença do monge Kosho Otani, futuro principal da hierarquia Nishi Honganji Mundial, em minha residência (veja foto), em Fernandópolis (a 550 km de São Paulo!!), no ano de 1958, aproveitando a comitiva do príncipe Mikasa no Miya às comemorações do 50º aniversário da imigração japonesa no Brasil. Ela, primogênita, era o vínculo mais direto com a família imperial no Brasil, na época. Por isso ele se locomoveu até aquela distante cidade, mesmo na situação precária de nossas estradas, na época. Mas para mim, que tomei conhecimento desse vínculo “sangue azul” apenas a partir do clima do centenário da imigração, foi apenas a consolidação do que sempre testemunhei em relação à sua postura equilibrada, democrática e justa em relação à vida (leia o texto Miscigenação).
Papai não tinha o conhecimento cultural de mamãe, mas contribuía para isso e a respeitava nesse aspecto. Mamãe não tinha o tino comercial de papai, mas também contribuía para isso, bem como o respeitava nesse aspecto. Minha crônica Omiai busca refletir essa relação entre ambos.
E como qualquer filho, acho este espaço muito pequeno para se contar a história deles, nossos pais (rsrs), mas não para prestar-lhes mais uma das homenagens que merecem. Assim, mesmo que sintética, deixo-a registrada aqui, como forma de gratidão pelos exemplos de sabedoria, conhecimento e respeito mútuo que passaram a nós, seus filhos e, agora, até a tataranetos que ainda nascerão, graças a esse tipo de instrumento (site). E bem como estímulo a todos os jovens, independentemente do grau de parentesco, para que busquem conhecer melhor as próprias raízes, onde poderão fazer surpreendentes descobertas para próprio engrandecimento, mesmo que em alguns casos , à primeira vista, decepcionantes. O meu avô materno, Kanetaro, por exemplo, correspondeu plenamente ao seu “sangue azul”, mas o seu irmão, de mesmo sangue, não (leia na história de Kanetaro). E daí? Tudo se transforma em aprendizado, desde que considerada todas as razões, com bom discernimento, que os levaram a seguir os seus caminhos. Inclusive, o próprio fato de terem saídos de suas pátrias pelas formas como tiveram de fazê-los. Todos os imigrantes!
KAZUE, minha esposa
Aproveitando a “mudança natural” (minha opinião) do escopo deste site, não poderia deixar também de fora minha própria esposa, que é imigrante. As fotos delas estão inseridas aqui desde o começo (nov/2007), mas não a sua história. Então, a fim de pagar por meus pecados, bem como para poder “entrar em casa” (rsrs), passo a registrar aqui também sua participação na história da imigração japonesa no Brasil.
Ela nasceu na ilha de Ioujima, província de Nagasaki e desembarcou no porto de Santos, quando tinha dez anos, no dia 12 de junho de 1963. Caçula da família, passou a maioria dos 42 dias que durou sua viagem, a bordo do Argentina Maru, dentro de sua cabine, “enjoada” pelos movimentos do navio. Junto, vieram os pais Takanami e Samo, duas irmãs Mutsuko e Misao, além de um dos irmãos, Yoji. O primogênito, Akinori, veio separado, 2 anos depois, pelo Paraguai. Antes do embarque para o Brasil, como de praxe, passaram alguns dias na Hospedaria dos Emigrantes da cidade de Kobe (ver foto), para a checagem dos estados de saúde e formalização da emigração. No Brasil, não passaram pela Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, porque o pai viera ao Brasil já comprometido com a empresa Toyota, cuja fábrica ainda se localiza em Piraporinha, próximo de Diadema, na Grande São Paulo. No início moraram com um parente, mas logo alugaram uma casa no bairro de São Judas, onde está localizada a igreja católica com o mesmo nome, talvez, até porque vieram da cidade mais católica do Japão. E eram praticantes fervorosos. A mãe de Kazue não perdia uma missa, mesmo sem entender a língua portuguesa.
Diferentemente dos demais irmãos, com formações escolares já concluídas no Japão, Kazue foi a única a continuar os estudos no Brasil. Mas, desinformada sobre as possibilidades da equivalência escolar, recomeçou seus estudos desde a primeira série do Ensino Fundamental. Essa também é a razão de sua boa pronúncia com a língua portuguesa, apesar da preferência, ainda, pela língua pátria (é comum encontrá-la com um pequeno livro japonês nas mãos). Mas tão logo chegaram ao Brasil, tomando conhecimento de uma escola japonesa tradicional no bairro (São Judas Gakuen) onde moravam, seus pais, imediatamente, a matricularam nessa escola. Foi onde conheceu o seu “hatsukoi” (primeiro amor), com quem namorou na época, e futuro marido, EU (rsrs). Ela conta, inclusive, que no começo, o garoto Silvio a evitava devido à sua falta de domínio com a língua japonesa. Mas, superada essa situação, já que ela é que passou a entender melhor o português, namoramos durante três anos, ficando, depois, oito sem nos encontrarmos.
Nesse ínterim, Kazue chegou à faculdade, trabalhou em um dos maiores bancos do Brasil, depois em uma grande empresa de vidros, quando nos reencontramos, e em seguida, nos casamos. Dois anos após o casamento, mesmo grávida do filho Tadashi (5 meses), a presenteei com uma viagem ao Japão, no que consideramos nossa verdadeira “lua-de-mel”. Foram 30 dias, com aquele “barrigão” todo, passeando em seu país. Mas o importante, para ela, foi o retorno à terra natal, depois de 16 anos. E sua maior lembrança foi exatamente na passagem pela ilha onde nasceu. Por ser uma ilha, o único meio para se chegar lá era por ferry-boat. O problema é que, depois de tantos anos, não sabendo que a embarcação tinha integração com um ônibus circular, dentro da ilha, distraídos pelas lembranças e novidades, acabamos perdendo-o. “Não faz mal...”, acalmou-me, “... lembro-me de que a casa da tia não era tão longe daqui. Vamos a pé!”. Durante o percurso, como uma guia turística ia me discorrendo cada lugar associando-o a uma lembrança da infância. “Foi nessa escola que fiz meus primeiros anos do primário... ali, está o apartamento onde morei... mais adiante, o cais onde tirei aquela foto... etc., etc.” Até chegarmos, sem vacilo algum, à casa da tia dela, cujo acesso era difícil e complicado para se reconhecer até para quem tivesse um mapa. Fiquei admirado!
Cinco anos depois (1995), ela retornou ao Japão porque eu iria fazer um curso de pós em arquitetura na Universidade de Nagoya. Fomos, os três. Tadashi tinha cinco anos. O movimento dekassegui ainda não tinha se iniciado. Foram dois anos de Japão, e onde Kazue aprendeu a andar de bicicleta, coisa rara entre japoneses nativos, na idade dela. Treinava todos os dias em frente à casa onde morávamos. Depois, em 1998, ela acabou tendo de ir mais uma vez ao Japão, devido a uma infelicidade: tornei-me mais uma vítima da violência urbana que vige no país. Aproveitamos o movimento dekassegui, que começava, porque éramos três e, todos, conhecíamos bem o Japão. Ficamos três anos e meio, porque, dessa vez, planejamos retornar ao Brasil apenas quando o filho se formasse no curso primário daquele país (6ª série do Fundamental). Hoje, pode-se afirmar que Kazue passou pelas duas etapas da história da movimentação migratória Japão-Brasil: veio de lá como tal e, como “quase” tal, retornou para lá. Mas, assim como a maioria dos imigrantes japoneses no Brasil, passou a gostar mais daqui do país adotivo. E para não se esquecer da pátria nativa, além dos livrinhos e filmes DVDs japoneses nas mãos, “embarcou” também no atual “boom” do karaokê que atingiu toda a comunidade nikkei no Brasil e onde, por minha sugestão, descartou “até” o sobrenome de casada para passar a utilizar o de solteira: Kazue Takahira.
PRA VOLTAR A SER FELIZ
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil