Conte sua história › Alexandre Nagado › Minha história
Quando criança, fui filho único até os seis anos. Meus pais saíam para trabalhar e fui praticamente criado por meu avô materno, o saudoso “Mauro” Senkichi Uema, que sempre me contava histórias sobre sua terra natal. Na época, eu achava que Mauro era mesmo o nome dele. Bem depois fiquei sabendo que era uma prática comum entre muitos imigrantes japoneses adotar um nome ocidental para facilitar a comunicação.
Meu avô veio de Okinawa com 15 anos apenas e fez sua vida no Brasil, país onde viveu até falecer em 1983, aos 72 anos. Ele saiu num momento muito difícil para o país e encarou uma barra terrível aqui, trabalhando no campo e tornando-se depois comerciante. Ele aprendeu o português tão bem que tinha pouco sotaque.
Sua esposa, Maria Kiyo Uema (antes, Nohara) era nissei e filha de okinawanos, assim como minha avó paterna. Aliás, há uma grande coincidência entre meus avós paternos e maternos (todos já falecidos). Meu avô paterno, Chuzo Nagado, também era um imigrante de Okinawa que trabalhou na roça, teve comércio e se casou com outra nissei de primeira geração, Maria Yamashiro, irmã do renomado escritor e jornalista José Yamashiro (também já falecido). Minha avó paterna estava entre os primeiros nisseis a não terem nome japonês depois do nome ocidental, hábito esse cultivado por muitas famílias de descendentes até hoje, mas não tão comum em minha família.
Em casa, apesar da presença de meu avô morando conosco, não se falava japonês. Ele criou minha mãe e meu tio preservando alguns costumes japoneses, mas falando tudo em português. Diferente de amigos nikkeis da minha idade, eu não o chamava de “ditian”, mas apenas de “vô”. E o pai de meu pai, eu chamava com igual carinho de “vô Nagado”.
Com meus pais, a educação foi totalmente brasileira e a maioria de meus amigos sempre foi de não-descendentes. Foi assim que fui criado, sem muita influência da cultura japonesa, mas sempre ouvindo boas histórias sobre o país do outro lado do mundo, de onde vieram meus avós e bisavós. Comida japonesa, eu saboreava mais em dias de festa, mas nada além do trivial. Foi depois de adulto que criei o hábito de comer em restaurantes japoneses, mas até aí qualquer um faz isso sem ter ascendência, e muitos não-orientais conhecem pratos japoneses melhor que eu. De esportes, um pouco de judô e caratê me atraíram quando garoto pela ação em si, não por um sentimento de conhecer as artes marciais da terra de meus antepassados.
Um professor meu diz até hoje que de japonês só tenho mesmo a cara. E pra alguns, nem a cara, visto que muitos descendentes de okinawanos (ou “uchinanchu”) são tomados por mestiços por causa do cabelo mais crespo e dos olhos maiores e com pálpebras mais marcadas. Pra quem não sabe, Okinawa é uma região composta por várias pequenas ilhas que foram anexadas ao Japão no século XVI, mas somente foi considerada uma província do Japão no século XIX. Seu povo carrega traços físicos e culturais diferentes do resto do arquipélago.
Tive realmente uma criação meio distante das tradições, mas sempre marcada por lições de esforço, perseverança e caráter com as histórias do meu avô. Mas em minha família, talvez eu seja o mais ligado a assuntos vindos do Japão, por conta de meu trabalho como desenhista e pesquisador na área da mangá e cultura pop japonesa.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil