Conte sua história › Muriel M. B. Choshi › Minha história
A comunicação é uma benção em todas as escalas da inteligência. Numa situação mais especializada sobre o assunto, os entendidos dizem não importa o canal e nem o estilo, nem dicção, nem pronúncia. O importante é se fazer entender.
A primeira coisa que aprendí rápido foi "tóraku" (truck - caminhão em inglês, pronunciado em japonês). Depois disso, deixei o meu repertório do livrinho cor de creme de lado, para de fato entrar no mundo das palavras dotadas de algum "tipo" de sentido associado a elas...Claro que como brasileiro, a minha primeira reação a palavra "tóraku" foi um misto de estranhamento, humor e associação nada legal de sentido. Depois a palavra seguinte foi "meshí", (hein? mexeu onde?) que é uma forma xula de dizer "almoço".
"Tóraku" que o japonês fala não seria "trãqui de truck?" pensei...que tal o "trákkhu-trákkhu" no estilo chinês misto com japonês? Os chineses da empresa sempre emendavam as palavras quando queriam demonstrar alguma coisa : báru-báru, waya-waya, kuren-kuren...que eram báru de "barra", waya de "wire" - cabo de aço - e kuren de "guindaste"...
Assim começa o meu aprendizado na língua japonêsa, recheada de vícios, típicos da região de Nagoya. Que nem: "akan" ou "akandadêe" para o polido "ikemassen" (não pode). Numa outra escala (a escala hard-nagoya-ben-rules!) "zetéeeeeeiiiiiakandadêená~aaaaaaaa..." puxando o "eeeeee iiiiiii ou aaaaaaaaaaa" significa "por tudo o que é sagrado, nunca faça uma coisa dessas. Olha a minha cara de descontente com o seu vacilo...". Ah, e a expressão facial conta absurdamente no efeito da mensagem.
Eu fui pegando o jeito das coisas, pelas impressões faciais, pelo jeito das falarem e também pelas esquisitices...tanto minhas, quanto a dos japonêses e a dos chinêses.
A primeira e mais marcante foi quando o Sr. Nagashima me ofereceu uma banana (afinal de contas nós já havíamos dado um café em pó, sem saber se ele ao menos tinha um coador em casa. Eu acho que ele só consumia o café de lata vendido em maquininha).
Eu recusei a banana com inocência, pois só tinha uma e deveria ser a sobremêsa dêle.
Pôxa, "por educação" pensei...logo em seguida "macaco?". Mentira, a ordem foi inversa "oh puxa, banana? certeza que é banana? Tem tanta banana de onde eu vim...fala sério Nagashima San, tá me zoando...só tem uma, coma-a o senhor...".
Depois disso o tempo fechou pro meu lado. Ele ficou ofendido (bem ofendido) a ponto de reavivar alguns pontos históricos culturais dos costumes nippônicos, como o fato de se viver numa ilha arenosa, improdutiva em frutas tropicais e circundada pelo mar, culminando com as mazelas da guerra, a pobreza pós guerra e a falta de comida para o povo do Imperador. Eu só entendí 30% do discurso, mas desses 30%, 1% ficou bem claro com um sonoro zetéeeeeeiiiiiakandadêená~aaaaaaaayoooooo - o apóstrofe "yo" simboliza a vontade que a pessoa tem de decaptar a outra.
Bom, eu vacilei na recusa, por falta de repertório no idioma japonês. Eu deveria ter dito "irimassen" (polido: obrigado, eu to de bôa, valeu mesmo) ao invés de "iran!" (escala-hard-nagoya-ben-rules!: zuô que ce quer que eu aceite a banana?!). Eu deveria ter aceito a banana e ficado quieto pra compensar o pó de café.
- Nota: pelos costumes japoneses, é falta de educação recusar as coisas que são oferecidas. Por mais esdrúxulas que elas sejam, ou por mais que você não goste delas.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil