Conte sua história › Ciro Haruo Yukisada › Minha história
Nasci em Andradina, na região de Araçatuba, onde houve uma concentração grande de famílias japonesas.
Fiquei lá até os 7 anos. Mudei para Avaí (Fazenda São José), onde morei até 1995 (neste período fiquei 1 ano em Campo grande, no ano de 1977).
Somos em 5 irmãos (o mais velho faleceu aos 20 anos de idade).
Minha formação se deve muito às relações que tive no interior, na colônia.
Mau pai é japonês (falecido, durante o 1º. ano que estive no Japão) e minha querida mamãe é natural da região de Bastos (capital dos ovos), interior do estado de São Paulo.
Aprendi o idioma japonês (intermediário) no período que estive trabalhando como dekassegui no Japão.
Papai era rígido e severo, estilo tradicional do japonês.
Fui criado com uma certa disciplina e um sentido de honra muito forte, de lealdade, trabalho e responsabilidade perante o grupo familiar.
São valores arraigados em mim. Parte do que sou vem dessa formação, principalmente na base moral. Meus pais ensinaram a ter respeito pelos outros, principalmente pelos mais velhos.
A idéia da disciplina, do trabalho e da escola, em tudo isso meu pai era muito exigente. Uma coisa que me afetou, até negativamente, é o sentido do amor próprio do orgulho.
A retidão de caráter acabou fundindo uma exigência de conduta tão severa que você às vezes fica limitado. Esse bloqueio causou na época uma crise, eu não soltava por causa dessa armadura moral rígida que me impedia um salto.
O princípio da hierarquia também me marcou. Durante certo tempo, contestei. Hoje retomo como fundamental (é um princípio oriental), impõem respeito aos mais velhos, ao conhecimento daqueles que detém mais sabedoria.
São valores positivos, e devo muito aos valores orientais da minha família. Esta noção de família, da lealdade interna, prezo muito.
Hoje com 40 anos, acho fundamental a noção de família é o elemento-chave. É comum, nas sociedades antigas, a família como unidade mestra.
A prioridade no âmbito da família é solidez dos laços. Diferente da minha época, quando a sociedade tinha certo equilíbrio, previsibilidade, os pais sabiam o que oferecia para seus filhos. Hoje, você não sabe de nada. Na porta da escola pode estar o traficante, na sala de aula, o amigo viciado. Isso me levou ao seguinte conceito: a maneira correta é uma esfera reduzida, a nossa sociedade tem capacidade tão forte de intervir na vida deles que, como a gente não identificou os elementos que incidem sobre eles, é preciso controle no âmbito da família.
O sargento instrutor do Exército dizia: “Se a gente quer controle sobre os filhos, vamos imprimir um choque de família”. Não como uma camisa-de-força, imprimir valores (sempre admirei por isso).
Hoje, por exemplo, eu sofro quando não consigo atingir o objetivo.
Comecei a trabalhar com menos de 12 anos (serviço que muitos jovens de hoje não conhece essa responsabilidade) e estudava e queria outro curso. Disciplina. Das 6h30min às 7h00min, estudava na Perua Kombi do meu tio, cheia de verduras e legumes, na volta do Ceasa.
Era a idéia da disciplina, de não errar. Uma, a disciplina, era importante, mas a contraparte, de perder, é ruim. Até hoje vivo com certa ansiedade por causa disso, tenho medo de passar para “meus filhos” algo desse tipo, de não perder.
Foi no ano de 1977, na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, que fomos ajudados pela colônia japonesa e familiares, num momento que perderia o meu querido irmão, Carlos Teruo Yukissada, aos 20 anos de idade.
Os japoneses tem uma prática interessante, coisa de sociedade evoluída moralmente falando, é um tipo de “consórcio”, seria uma atividade financeira mas também social.
Cada consorciado contribui com valor e todo mês faz-se o sorteio. Aquele que ganha, se achar que outro precisa mais, passa a vez. Aprendi essa prática que, como digo, somente sociedades evoluídas moralmente são capazes de ter (se alguém quebra o consórcio, todos tomam prejuízo, daí a questão moral).
Hoje percebo o quanto é fundamental, decisivo. O consórcio de ajuda mútua resolveria muito problema social, se houvesse a solidariedade. É isso, são laços de solidariedade organizada num mecanismo de contribuição financeira.
Através do trabalho, disciplina e perseverança, veja o desempenho da “japonesada” nos vestibulares. Alguém pode dizer “japonês” é bom em exatas por razões culturais ou genéticas.”
Mas ele não existiria sem disciplina, a moral, a noção de ordem, de persistência. A matemática exige operações cadenciadas com rigor, ou seja, é diferente de uma sociologia, que é intuição.
Matemática tem uma seqüência lógica, uma racionalidade onde a disciplina é básica, é relação causal desde o primeiro ponto, não uma literatura que você inventa.
Então os japoneses contribuem com um padrão de comportamento. Com o tempo, isso se dilui, mas o que importa é a raiz, o chip. Ficou dos japoneses essa marca. Eu noto nas minhas relações. Muitas pessoas que não conhecem minha vida pregressa tem referência positiva por aquilo que represento como colônia, origem. E acima de qualquer valores, pode ficar tranqüilo que eu jamais vou quebrar a expectativa depositada ao longo desses anos, construí uma imagem positiva, e posso afirmar com toda convicção que a reputação é a palavra chave de tudo.
Ciro Haruo Yukisada
史郎 春夫 行定
Janeiro 2010 - 2010年1月
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil