Pode perguntar para qualquer brasileiro que está no Japão. A maioria (esmagadora, há que se dizer) tem a resposta na ponta da língua: quer voltar um dia, mas não sabe quando. Mesmo aqueles que compraram casa por aqui ainda acalentam o sonho de viver no Brasil após a aposentadoria.
Mas nos últimos tempos, uma série de acontecimentos tem provocado uma profunda reflexão na comunidade. Desastres naturais (e anúncios apocalípticos da chegada iminente de um temido grande terremoto associado à explosão do Monte Fuji), Iene e Real valorizados, entrada de mão de obra barata da Ásia no mercado japonês, política migratória em discussão no governo, economia do país estagnada e outros tantos fatores têm gerado discussões. Afinal, será que ainda vale a pena ficar no Japão?
Para uma grande maioria sim, pois mesmo em crise, o Japão ainda oferece mais facilidades do que o Brasil. Mas há quem pense o contrário e já começou a arrumar as malas para a volta definitiva. Vira e mexe tem conhecido de partida (com a promessa de não voltar mais). Outros tantos economizam o máximo para poder, finalmente, regressar ao país natal. “O Japão não é mais o mesmo”, é a frase comum que se ouve nas rodas de brasileiros.
Política migratória
De uns anos para cá, um dos fatores que mais tem assustado a comunidade brasileira é a discussão de projetos de lei de imigração. Políticos japoneses apresentam idéias malucas, as quais sempre prejudicam os imigrantes estrangeiros. O Japão tem hoje 2,15 milhões de estrangeiros, correspondentes a apenas 1,69% da população total. Com a baixa taxa de natalidade dos japoneses, estudiosos prevêem um déficit de mão de obra economicamente ativa no futuro. Para suprir isso, vão precisar abrir os portões aos estrangeiros.
Por conta disso tudo é que se tem discutido bastante a política de imigração. O país não pode mais ficar adiando a questão, pois estimativas governamentais projetam que, daqui a 50 anos, a população japonesa diminuirá em 40 milhões de habitantes.
Mas não se chega a um consenso, e os políticos ignoram a existência de uma comunidade estrangeira radicada no país. Taro Kono, ex-vice-ministro, sugeriu dois anos atrás que se acabasse com o visto de nikkei e se exigisse o conhecimento da língua japonesa para os trabalhadores estrangeiros. Numa atitude nada política, chegou a dizer que foi um erro ter trazido nikkeis do Brasil para o Japão. Há que se lembrar que foi o ministério dele que liberou a imigração, com base nos laços sangüíneos com os brasileiros.
Essa discussão volta à tona agora. Dois projetos elaborados por duas alas do Partido Liberal Democrata (Jimintou), que governa o país, circulam entre os políticos. Uma propõe o fim do visto especial para nikkeis (o que não é novidade, pois essa idéia já é pregada há tempos). Com isso, o trabalhador brasileiro só poderia ficar aqui por um período de três anos, sem a possibilidade de trazer família ou renovar a licença de estadia. É a regra imposta hoje aos asiáticos, que vêm como estagiários e são indiscriminadamente explorados. A única exceção será para aqueles que tiverem alguma especialização ou qualificação.
A outra proposta é mais branda, mas cheia de pontos obscuros. Quer liberar a entrada gradativa de estrangeiros num prazo de 50 anos, até a população não-nipônica chegar ao patamar dos 10% do total de moradores locais. Ele sugere a permanência a longo prazo dos estrangeiros no país, sob a condição de que aprendam a língua local e passem por cursos de capacitação. O problema vai ser convencer o brasileiro dessa obrigatoriedade que, claro, seria ótima para todos.
No último dia 28, foi realizado na Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, um simpósio sobre o assunto. Houve uma palestra do parlamentar Hidenao Nakagawa, que assina o programa migratório do PLD, e depois teve um debate com quatro estrangeiros (um coreano, uma chinesa e dois brasileiros, a universitária Flávia e o jornalista e sociólogo Angelo Ishi).
A discussão é saudável, e ajuda a clarear as idéias. Mas acho que ainda falta mais. Os brasileiros deveriam se unir e gerar debates, mas de forma que o governo e as autoridades os ouçam. Afinal, a idéia que se tem, do jeito que as coisas estão caminhando, é que a visão do governo sobre os imigrantes é míope.
Legendas:
Foto1: Alternativa Brasil Live - Maior festa da comunidade que vive em Oizumi (Gunma). A cidade é famosa por abrigar a maior concentração de brasileiros em relação à população local. Mais de 10% dos que vivem na cidade são nossos conterrâneos. Será que a cidade para sem a presença deles?
Foto2: Daniela Sato trabalha em fábrica e faz bicos como recepcionista em feiras. Quer voltar ao Brasil, mas como a maioria, ainda nao sabe quando
Foto3: Banda Latitude, um dos vários grupos de talento da comunidade. A vinda dos dekasseguis ao Japão gerou oportunidades das mais variadas a todos. Será que o sonho vai ruir?