O assunto: discriminação. Todo mundo diz que já sofreu algum tipo de violência do tipo aqui no Japão
Eu costumo dizer que a grande maioria das queixas ligadas a discriminação aqui no Japão é, na verdade, fruto do choque cultural. Há muita gente que não se adapta aos costumes do país e, dizer que foi discriminado acabou virando desculpa fácil e corriqueira.
Mas vejam bem, eu disse que boa parte das queixas tem fundamento um tanto “furado”. Não disse que não existe. Aliás, eu mesmo fui vítima de discriminação e tenho plena certeza de que não foi má vontade minha.
Conto o caso: fui pagar uma conta no banco, como sempre fazia. Porém, estava em Hamamatsu, na província de Shizuoka, famosa pela grande concentração de brasileiros e também pela forma agressiva como os moradores locais ignoram ou repelem o estrangeiro. Pedi ajuda ao funcionário para utilizar o caixa eletrônico. Diante do meu japonês ainda em fase de evolução, ele virou e disse com todas as letras: “se você não sabe ler kanji (ideogramas), para quê quer fazer um depósito?”. Virou as costas e foi ajudar uma senhora de idade, que imagino eu, estava tendo problemas parecidos com o meu.
Pior: sou cliente deste banco desde que cheguei ao Japão, quando ainda tinha outro nome. Fiquei, é claro, possesso da vida. Mas a história não acabou ai. Fiz uma reclamação formal à agência central, tudo por escrito. O banco foi notificado e recebi desculpas formais. Disseram ainda que todos os funcionários daquela agência passarariam por um treinamento para melhorar o atendimento aos estrangeiros. Não sei se foi cumprido. Não fiquei em Hamamatsu para descobrir.
No entanto, nem sempre isso acontece. Há casos piores e, muitos brasileiros não sabem onde e nem a quem recorrer. É muito comum as redações de jornais e revistas que circulam na comunidade receberem ligações de “vítimas de preconceito”.
Domingo passado fui a um encontro em Tóquio, o No Border (Sem Fronteira). Esta foi a segunda edição do evento e, mais uma vez, discutiu-se algumas questões ligadas aos estrangeiros que vivem no Japão. Uma apresentação, porém, chamou minha atenção. Foi a do pesquisador e ativista Debito Arudou, que apesar de ter nascido na terra do Tio Sam é naturalizado japonês.
Ele lançou um livro (Japanese Only, ou numa tradução literal Somente para Japoneses) e participa de um movimento para acabar com a discriminação racial no Japão. Ele também foi vítima da teimosia japonesa em não querer se misturar com os que “são de fora”. Foi barrado diversas vezes nas portas de onsen (estâncias de águas termais) por ser estrangeiro. Passou a colecionar fotos de placas do tipo: “only japanese”. Veja o site dele aqui.
Achei interessante um dado que ele apresentou. Todo ano ocorrem no Japão cerca de 40 mil casamentos entre japonês e estrangeiro. Entre 2000 e 2004 houve um aumento de 30% nesse tipo de matrimônio. Dessas uniões, nascem por ano cerca de 21 mil crianças mestiças. Elas são japonesas, mas que não são vistas pela sociedade local como nativas. Em Hokkaido, província mais ao norte do Japão, muitas casas de banho têm até pedido o passaporte para o hafu ou daburu (respectivamente, do inglês, half e double), como são chamados os mestiços. Outras simplesmente não deixam entrar por causa da aperência de “estrangeiro”.
Pelo que percebo, uma grande maioria dos japoneses adora estrangeiros, mas na terra deles, não morando aqui no arquipélago. Aquela idéia nazista de raça pura ainda circula em muitas cabeças aqui, o que acaba provocando não o choque cultural, mas a verdadeira discriminação.
Legendas:
1. O pesquisador e ativista Debito Arudou
2. Foto do site do Debito (David). Ele coleciona fotos de placas e cartazes "discriminatórios". Reparem no "português claro e correto".
3. Capa do livro do norte-americano naturalizado japonês