A., superquerido amigo meu gauchito, está na Coréia para uma conferência. E, desde que ele foi para lá, nossos papos sempre começam com "E como vai o futuro?", afinal, por causa do (con)fuso horário, ele está 12 horas no "futuro". No começo, isso me pareceu estupendamente divertido. Às vezes, nós trocávamos MSNs e, enquanto aqui era o mesmo dia, lá já era outro. Ou então, ele estava indo tomar café e eu estava indo jantar ou ele me dizia boa noite e eu estava ainda meio que acordando. Muito divertido (tente e você verá).
Bom, era divertido. Até hoje.
Não por causa dele, que é um amor de pessoa, mas porque eu comecei a pensar justamente nessa linha fina (vamos chamá-la de Greenwich, em verde, na foto acima), em que passado e futuro se juntam. Esse meridiano, fino, estreito, que nós chamamos de presente. Este fio da navalha em que todos caminhamos. Ou, sendo mais específica, esta madrugada.
Há horas em que o passado se torna muito pesado (sim, eu já cresci o suficiente para ter um pouquinho de passado). Não porque você se sinta terrivelmente culpada ou tenha coisas mal-resolvidas mas simplesmente porque, quando a gente fuça, acaba achando (Google é ferramenta do diabo nestas horas). Acaba achando prego em que pisar, um craqueladinho (ou um rasgo mesmo) no coração, uma doença que não sabia que tinha ou simplesmente dor na consciência, que vem rebocada por aquela boa e velha pergunta: "E se eu...?" ou daquela "Por que eu não...?" ou, a pior de todas: "E se...?"
O "E se..." -- tenho aprendido -- é uma prisão. É uma pergunta que te enfia em uma realidade-irreal, em que tudo é cor-de-rosa, onde tudo dá certo no final, onde o mocinho fica com a mocinha, sem grandes pesares. E, caminhando neste mundo Barbie-pink, acabamos perdendo contato com aquilo que de fato é real. E, sim, muitas vezes o real dói (saco, eu odeio essa parte). Talvez porque simplesmente há outras cores nele, além do magenta.
Em noites de Lua em Escorpião, com Mercúrio em Câncer, todo o nosso ser se volta ao segredo, ao passado, escreveu meu amigo astrólogo João Acuio. "A fala nas entrelinhas. Ou a literatura do memorialista." É dia de drama, de resgate (ou afogamento) nas memórias e nos segredos. Por isso, a madrugada nebulosa de quem se perde, como eu, na veia do tempo. As lembranças e os desejos estão todos misturados, como se tudo estivesse acontecendo ao mesmo tempo, agora. Nada é sólido e tudo o que é se desmancha no ar (sim, eu estou me apropriando da frase famosa. Sorry, comunas).
Fog londrino, neblina curitibana, garoa paulistana ou a lama do mangue. Não importa onde, é nessas horas que a gente não tem certeza do que está fazendo porque tudo é uma coisa única. O passado, o presente, o sonho, o devaneio e os planos para o futuro. E é nessas horas, em que somos obrigados a encarar, com serenidade, tudo o que veio, o que vem e o que virá. É nessas horas em que a gente relaxa, respira fundo e se descobre zen.
A flor de lótus nesta bela ilustração do Aynaku.net: símbolo da pureza mental e da perfeição espiritual.