10 Jun, 2008
As espadas de Tomizo Ishida
arquivo pessoal Tomizo Ishida |
|
Em 1933, vindo de Gunma, cidade próxima de Tóquio, desembarca no Brasil, acompanhado da família, Tomizo Ishida que tinha apenas 9 anos de idade.
Durante sua infância no Brasil uma das suas brincadeiras prediletas era procurar um pedaço de metal para fazer dele uma kataná, como é chamada a espada samurai. Esquentava-o no fogo e dava marteladas. Havia aprendido observando o trabalho do ferreiro da vizinhança. O resultado estava longe de chegar perto de uma espada, ainda mais de uma espada samurai. Mas nada como a imaginação de uma criança para vê-la perfeita. De origem humilde, sonhava com a possibilidade de ser descendente do lendário samurai Mitsunari Ishida, general que comandou as tropas ocidentais na batalha de Sekigahara em 1600.
Quando sua família se mudou para a Fazenda Aliança, na região noroeste do estado de São Paulo, conheceu o Sr. Isamu Yuba e viu nele o perfil de um verdadeiro samurai. Ao contrário da maioria dos imigrantes, Yuba era de uma família muito rica e veio ao Brasil com o objetivo de construir um nova cultura no país. Para isso investia em atividades artísticas e esportivas, além de defender o isolamento da comunidade. Sua inteligência, sua liderança e o modo de tratar os demais impressionaram o jovem Ishida.
Na escola fez amizade com o irmão mais novo de Isamu e descobriu que a família Yuba possuia uma espada samurai. Convenceu seu amigo a emprestá-la e sem que mais ninguém soubesse levou a espada para casa. Era uma tantô, pequena espada samurai. Ishida estava encantado com o artefato.
Durante os próximos dois meses seu passatempo era admirar a beleza e a perfeição da espada. Sempre que possível a carregava consigo. Até mesmo na hora de dormir ela não saia do seu lado. Imaginava que assim poderia roubar um pouco do espírito guerreiro da espada da família Yuba.
Os anos passaram e Ishida acabou tendo que abandonar a escola para ajudar a família na lavoura. Passou a juventude deprimido ao ver que suas perspectivas de progresso diminuiam sem estudo. Aos 25 anos largou a vida na fazenda e foi em busca de novas oportunidades. Procurava se estabelecer em cidades onde não haviam colônias japonesas pois sabia que assim se esforçaria mais a aprender a língua portuguesa e a conhecer a cultura brasileira. Passou por cidades diversas e exerceu diferentes profissões como fotógrafo, relojoeiro e ourives.
Em 1949 foi parar em Mairiporã, cidade onde fixou residência e abriu um negócio próprio. Três anos depois casou-se com Luzia, com quem teve três filhos homens: Roberto, Luis e Ademar.
Certa vez, passeando pelas ruas do bairro da Liberdade em São Paulo, viu numa vitrine uma kataná. Ishida, que já tivera em mãos uma espada legítima, sabia que aquilo não passava de uma tentativa frustrada e procurou se informar sobre quem era o autor daquela aberração. Ficou ainda mais indignado quando soube que aquilo era obra de um gaijin, como são chamados os não-descendentes de japoneses.
Apesar do pouco conhecimento sobre a fabricação de katanás, Ishida levou aquilo como um desafio e se propôs a fabricar sua própria espada samurai. Entrou em contato com parentes no Japão que lhe enviaram livros sobre o assunto e começou a dedicar seu tempo livre ao estudo da forja de espadas.
A espada da família Yuba não saia de sua cabeça. Precisava fazer uma espada como aquela. Por isso se passaram cinco anos até que em 1967 estivesse pronta a primeira lâmina digna de uma kataná.
Com o tempo acabou conhecendo os outros dois nikkeis que também forjavam katanás no país: Kunio Oda e Yoshisuke Oura, e acabaram se tornando bons amigos. Mas diferente de Ishida que era um autodidata, ambos pertenciam a famílias de katanakaji (forjadores de kataná) e haviam aprendido o ofício com o pai ou avô. Mas ele não via isso como uma desvantagem, muito pelo contrário. O fato de não ser de família de forjadores lhe dava total liberdade para criar a espada que quisesse, sem seguir tradições passadas de pai pra filho.
Como utilizava as espadas para praticar Iai-dô (uma das artes marciais samurai) acabava realizando pequenas adaptações no design da arma para que tivesse um melhor desempenho. Suas espadas começaram a ser vendidas ao longo da década de 70 e 80 e entre seus compradores encontravam-se desde praticantes de artes-marciais a colecionadores de armas.
Eram espadas de todos os tamanhos, mas sua especialidade eram as uchigatanás, espadas de combate com lâminas de 60 centímetros. Só não fazia tantôs. E isso foi devido a um triste incidente envolvendo Kunio Oda. No início da década de 70, Oda havia presenteado um amigo com uma tantô. E o amigo acabou utilizando o artefato para cometer suicídio a maneira samurai, conhecido como seppuko. Traumatizados, tanto Oda quanto Ishida decidiram não fabricar mais espadas desse tipo.
A venda de katanás ainda não era uma atividade lucrativa pois pagava-se muito pouco pelo tempo e esforço exigido. Mas era a realização de um sonho que Ishida tinha desde pequeno. Sonho que era compreendido por sua esposa Luzia, que aguentava pacientemente o barulho das batidas do martelo vindas da oficina do marido.
Com o afastamento de Oura do ofício a partir da década de 80 e com a morte de Oda em 1992, Ishida se tornaria o único katanakaji em atividade no país mas ele também acabou optando pela aposentadoria.
A partir de 2003 com o lançamento de filmes de sucesso com temática samurai, cresceu o número de interessados em adquirir uma kataná. As vitrines do bairro da Liberdade se encheram de réplicas baratas, com peças plásticas. Isso motivou Ishida a voltar a ativa no ano seguinte para atender a demanda por katanás verdadeiras e começou a forjar suas espadas novamente, com a vontade revigorada apesar dos quase oitenta anos de idade.
Atualmente continua vivendo em Mairiporã. Seus três filhos já deram a ele e a Luzia dez netos e três bisnetos. Suas katanás se valorizaram e sua produção continua a todo vapor, com mais de quatrocentos exemplares produzidos até hoje. E aos 84 anos continua fazendo planos como um jovem. Em 2008 pretende fazer muitas vendas para poder viajar para o Japão onde pretende estudar ainda mais a arte da espada samurai.
Postado por Alexandre Sakai | 9 comentários
|
Perfil
Alexandre Sakai é publicitário. Paulistano, nascido no bairro do Ipiranga, é sansei, neto de japoneses. Adora fuçar livros, revistas e a internet atrás de informações e novidades. Atualmente tem coletado histórias curiosas da comunidade japonesa no Brasil para escrever um livro.
Arquivos
- Ago, 2008
- Jul, 2008
- Jun, 2008
- Mai, 2008
- Mar, 2008
- Fev, 2008
- Jan, 2008
- Dez, 2007
- Nov, 2007
- Out, 2007
- Set, 2007
|