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Quatro Rodas, 1/02/1965

Visita ao Japão sem sair de casa

CARLOS COELHO

Quatro Rodas decidiu ir ao Japão, e foi. Mas não andou muito, nem carecia disso: o Japão fica ali mesmo na Liberdade, onde nisseis bancam os pelés, e desce firme pela Galvão Bueno.

Jorge Butsuemjardim
No jardim de um templo japonês do Jabaquara, SP
Você também pode ir. Porque quem tem bôca pergunta e quem pergunta - nesse Japão que é nosso - sempre encontra. Ao final damos endereços de algumas das coisas nipânicas de S. Paulo, da comida e do convite bilíngüe que abre esta reportagem de Carlos Coelho, com fotos de Jorge Butsuem.

Não procure flôres de cerejeira, que isso não dá sôbre as calçadas da Galvão Bueno e adjacências; nem gueixas atravessando as ruas com aquêles passinhos miúdos e rápidos, metidas no quimono. Mas, o pedaço espiritual do Japão que existe dentro de São Paulo, mesmo sem êsses requintes, o surpreenderá, pois guarda delicioso exotismo, expresso principalmente nos hábitos sociais. O paulistano é, dos brasileiros, um privilegiado nesse sentido: pode sentir o Japão - sem sair de casa.

Japonês-fala pouco
Quem visita o bairro japonês situado à esquerda da avenida Liberdade, descendo pela Galvão Bueno e adjacências, encontra muitos olhos rasgados, é claro. Nem todos, contudo, importados: a maioria são jovens, nascidos em São Paulo e tão paulistanos nos hábitos, costumes e modo de falar, quanto, por exemplo, nosso campeão Éder Jofre. Entre êles, o ciao substituiu o saionará, o bife com fritas já tomou o lugar dos requintados suxis. Pouquíssimos falam fluentemente o japonês e um número ainda menor sabe escrever em caracteres orientais.

Hoje, nossas universidades estão cheias ,de nisseis. Serão médicos, advogados, engenheiros, que virão se juntar a outros tantos, já atuando.

Uns irão para a Câmara, outros para a Assembléia, outros mais para a administração estadual e municipal, ajudando São Paulo a crescer. Nem sempre, contudo, foi assim. Os primeiros imigrantes criaram à fôrça uma tradição nas tinturarias. Não falavam o Português, nem traziam capital para estabelecer-se. Lavanderia foi a idéia brilhante e muito prática: requeria dinheiro para comprar sabão e escôva, braços fortes e um reduzido vocabulário. “Tinrureiro!" era a primeira palavra mágica. "Tem roupa?" a segunda. "Obrigado" encerrava o curtíssimo diálogo.

Rioriá é descanso de espírito
Uma boate, ou rioriá, é mais lugar de descanso que de agitação. Tomemos como exemplo uma visita à Aoyague, mais conhecida como Do Papai. Se você nunca foi lá, deixa o carro no estacionamento e é recebido à porta com um sorriso dos mais lindos que possa imaginar. Mas, avançando pelos corredores, encontrará muitas gueixas de quimono, umas jovens e lindas, outras mais idosas e, não obstante, capazes de suprir com simpatia a beleza escassa. Contudo, não adianta falar-lhes, sequer para pedir informação. Elas passam eretas, como se você não existisse. Conduzido a uma sala cujo chão é todo de tatami (espécie de cama de esteira) e a cuja porta você obrigatòriamente deixa os sapatos, logo quatro ou cinco delas o cercam, agora sorridentes e gentis. Se você insiste em divertir-se mais animadamente, ela faz uma reverência, levanta-se do chão onde ambos estão sentados e diz que volta logo. Dependendo da maneira com que você insistiu, pode esperar sentado a vida inteira (aliás, você pode deitar-se também, o chão é limpíssimo) que ela não volta mais. Também pode voltar, com duas outras, uma mais idosa, para tocar o xamissem (uma espécie de bandolim), outra com uma bela sombrinha, ela própria muito bonita, para dançar exclusivamente para seu deleite. Na saída, você será levado até o carro, mas segue e ela fica. Pode ser, se você se comportou bem, que ela até lhe dê um beijo na testa; muito maternal, como quem recomenda: "Vá pela sombra e Deus o abençoe" ...

Sortidinho se chama suxi
Talvez o adocicado tempêro japonês não seja muito do seu gôsto. Mas quem aprecia manjares exóticos terá certamente boa mostra da culinária oriental nos suxis, cuja tradução mais acertada parece ser merenda, ou lanche. Uma suxiá é, portanto, estabelecimento de lanches rápidos, sempre acompanhados da infalível caneca de chá. Um prato de suxi, com 10 variedades, custa entre $ 1.000 e $ 1.500, dependendo da casa ou do gôsto do freguês. Para dar uma idéia do suxi, vamos descrever alguns: filèzinho de camarão, sôbre um bolinho de arroz adocicado e, entre um e outro, mostarda verde e môlho; uma fatia de arroz, recheada com ovos, pepino, peixe e enrolada em alga marinha; filé de polvo, ou calamar, sôbre o bolinho de arroz: peixe cru em pequenas fatias. O arroz está sempre presente e o sal, se o põem, é mínimo: todo suxi que experimentamos era frio e doce.

Jorge Butsuemsushi
Suxi caprichado sempre vem acompanhado de toalhinha com água morna.

Vida na ponta da agulha
Se quiser mesmo se restabelecer ràpidamente de algum mal, o negócio é procurar Murata, que, com a supervisão de um médico brasileiro, aplica remédios maravilhosos da moderna ciência japonêsa e outros milenares, como a apunctura e a moxa. Murata pode lhe enfiar agulhas de ouro e prata em determinados lugares do corpo, provocando estímulos nervosos que levantam até um agonizante. Êste tratamento se chama apunctura, de origem chinesa e mais de 2.000 anos de existência. As agulhas são finíssimas e introduzidas de modo tal que você nem as sente (fizemos a teste). Alguns médicos ocidentais recomendam êsse tratamento. A moxa consiste em estímulos provocados através de pequeníssimas mechas, algumas com a espessura de um fio de cabelo, aplicadas e queimadas sôbre a pele, como mosquitinhos.

Mas não é só. Murata tem um aparelho japonês eletrônico que se chama Demiger e tem oito funções simultâneas: ondas curtas, ondas longas, acupunctura superficial, moxa, ionização, vibração magnética, calor úmido e infiltração de soluções apropriadas no tecido orgânico. Para que serve o Demiger: resfriado e gripe, amigdalite, laringite catarral, faringite, tuberculose, coqueluche, asma brônquica, bronco-traqueíte, e uma lista muito longa, quase tanto quanto a das indicações da apunctura, que cobririam uma página inteira e terminariam com o clássico "e outras moléstias". Murata firma que os casos de cura são surpreendentes. Si non è vero...

O fisioterapista tem mais uma novidade: uma sala iônica, onde há cômodas poltronas: o paciente senta com roupa, sapato e tudo, durante certo tempo. Trata-se de um banho de íons negativos, que, segundo êle, restabelecem o equilíbrio fisiológico, alterado pela perda dêsses mesmos íons, que, segundo uma teoria japonêsa, são uma espécie de barreira contra as doenças. Uma vez sentado numa dessas poltronas, seu corpo se carrega de eletricidade, como uma bateria. E até acende uma pequena lâmpada de testes, que se lhe encoste nas roupas. A sala é totalmente isolada com borracha.

Mas deixemos Murata e seus maravilhosos aparelhos, suas agulhas e suas mechas. Passemos agora ao Salão Kinoshita, onde o jovem Kinoshita, recém-chegado do Japão, sorridente, simpático e bem pôsto, dirige uma equipe de quatro barbeiras (mulheres mesmo) que não fazem barbeiragem. A tosada, por uma dessas môças, custa $ 1.000 porque elas são mais hábeis do que os homens e mão de mulher na cara do freguês tem sempre um valorzinho extra, quando é aplicada maciamente.

Uma vez com a aparência bem posta pela tesoura mágica de Kinoshita, você pode enfrentar a beleza dourada de um altar de Buda no templo Nishi Hongwanji do Brasil. A aparência externa é impressionante, mas as maravilhas estão mesmo lá dentro, onde uma imagem dourada de Buda refulge num nicho, também dourado. A nave é simples e os bancos são dispostos como em qualquer templo católico. Não há altares laterais e o principal fica num tablado, como um palco, ao qual apenas o sacerdote tem acesso. Em baixo do palco e ao alcance dos fiéis, um pequeno fogareiro queima incenso permanentemente.

Vibração dá vigor
Nem sempre a filosofia japonêsa se expressa sem uma ponta de mordacidade. Se você fôr capaz de ler os papèizinhos que vêm enrolados nos hais (pauzinhos que servem de talher), perceberá isso. Num dêles, a tradução deu isto: "Já escrevi muito contra o govêrno. Não se admire, portanto, se não assino o que escrevo." Noutro: "Para gente casamenteira, até viúva de dois é virgem." E a capacidade inventiva dessa gente que reina no mundo dos transistores e já está emparelhando com os suíços no mundo milimétrico dos relógios, não a deixa parar. Nas lojas japonêsas da Liberdade pode-se constatar isto fàcilmente.

Naturalmente, uma gente assim teria que ter marca registrada. E tem: quando japonês nasce, é com mancha roxa nas costas, abaixo da cintura e: sôbre o osso sacro. Europeu não tem essa mancha. Mas o brasileiro nortista tem e os médicos a conhecem: como "mancha, do jenipapo", o que faz pensar em parentesco, teoria reforçada, aliás, pela tremenda semelhança entre nordestinos mestiços, indígenas brasileiros e nipônicos. Há, até, um livrinho escrito por erudito japonês, mostrando a semelhança de dezenas de vocábulos tupis com outros tantos japonêses, não raro com o mesmo significado.

Endereços para finalizar
Nossa finalidade, ao enveredarmos pela Liberdade, foi mostrar um pouco mais dêste mundo curioso que é São Paulo. Vocês ainda encontrarão lá massagistas famosos, academias de judô e caratê, endereços que constam das listas telefônicas normais (a colônia japonêsa tem uma lista telefônica particular com 284 páginas, o Guia Aurora). Além dos endereços já citado, fizemos uma lista de locais recomendados para uma visita:
bulettSentsuru (suxi) - ao lado do cine Jóia, no 1º andar. Bom ambiente.
Restaurante Shintokywa - rua da Cantareira, zona do Mercado. É considerado um estabelecimento fino.
bulettSuxiá Nakane - rua Barão de Iguape, considerado o mais típico.
bulettCasa de Chá. - Aliança Cultural Brasil-Japão, rua São Joaquim, 381. Montada recentemente, por um técnico japonês, que preparou o pessoal.
bulettRestaurante Enomoto - rua Galvão Bueno, 55. Sem luxo, eficiente.
bulettButique Yorozuya - rua Galvão Bueno, 124. Tem desde lenços de sêda pura a armaduras de samurais (preço $ 2 milhões). E quimonos também.
bulettSuxiá (petiscos)
bulettSuxi Sumire - r. Tabatinguera, 171, 1º andar, sala 5. É o mais antigo de S.Paulo. Ambiente agradável, simpaticíssima a dona. Peça saquê quente e tempura gobô, uma espécie de raiz à milanesa, que acompanha bem e você tempera a gôsto. Um suxi completo custa aí entre $ 900 e $ 1.200.
bulettSuxiá e restaurante Kokeshi - rua dos Estudantes, 37. O balcão tem pequenas bicas onde você lava as mãos. O suxiá fica atrás da cortina. Peça também aí sopa de macarrão. A empregada do dono é baiana, mas deixou de comer vatapá: agora só quer saber de suxi. Preço, entre $ 1.000/ $ 1.200.
bulettBoate Aoyague (do Papai) – av. General Valdomiro Lima, 508, Jabaquara.
bulettApunctura e Moxa Murata – rua Galvão Bueno, 60.
bulettSalão Kinoshita (barbearia com mulheres) - r. Conselheiro Furtado, 36.
bulettTemplo Budista Nishi Hongwanji do Brasil - r. Changuá, 108, Jabaquara.
bulettLoja de Novidades Chá-Flora - r. Galvão Bueno, 48. Além das novidades, se você fizer cara de pau, acaba tomando um chàzinho de copo lá nos fundos.

 
 

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