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Trecho de reportagem publicada em Veja São Paulo, 22/06/1988

Uma festa japonesa, com certeza

DA REDAÇÃO

A Expo Brasil-Japão comemora, em São Paulo, os oitenta anos da imigração japonesa com shows e uma grande feira de produtos e empresas

Antônio Milena
ginasio
Ginásio do Ibirapuera: debaixo da maior lona do mundo, 100 estandes de empresas e atrações japonesas.

Há oitenta anos, eles estão presentes na vida da cidade. Em suas mãos estão os legumes mais bonitos da feira, as lojas de produtos importados mais atraentes, a representação dos titãs da indústria eletrônica e os restaurantes onde se pode achar os pratos mais bem montados de São Paulo. Só isso? Não. Eles fazem a alegria de qualquer cidadão com um sofisticado relógio que precisa de conserto e são o terror de qualquer vestibulando em véspera de exame. Mais: pense numa lista de pessoas que se destacam na cidade pelo que fazem e nela eles vão aparecer aos montes.

Artistas plásticos? Tomie Ohtake, Manabu Mabe, Tikashi e Takashi Fukushima, todos eles pintores de alta cotação no mercado de arte. Cinema? Tizuka Yamasaki, a diretora do sensível Gaijin. Medicina? Milton Nakamura, o especialista em bebês de proveta. Imprensa? Matinas Suzuki, o secretário de redação da Folha de S. Paulo. Livros? Massao Ohno, da editora que leva seu nome e produz algumas das mais belas edições à venda nas livrarias. Empresários? Chieko Aoki, a mulher que toca o cinco estrelas Caesar Park da Rua Augusta e mais meia dúzia de grandes hotéis espalhados por todo o mundo. Arquitetura? Ruy Ohtake, autor de projetos como o do Parque Ecológico da Zona Leste. Construções? Renato Takaoka, o "inventor" de Alphaville. Demolições? Até aí há um deles, o engenheiro Hugo Takahashi, convocado todas as vezes que a cidade tem de se livrar de um elefante branco - uma de suas últimas façanhas, por exemplo, foi implodir um dos prédios da Cesp, na Avenida Paulista, depois do incêndio.

Os japoneses estão entre nós há oitenta anos – e para comemorar um casamento que vai bem, obrigado, a cidade está em festa. Até o próximo dia 3 de julho das 14 às 22 horas - nos finais de semana, a partir das 10 horas -, uma grande exposição, a Expo Brasil-Japão, montada no Ginásio do Ibirapuera, estará reunindo desde produtos que carregam a última palavra em tecnologia - como os carros da Toyota, totalmente computadorizados, ou a TV de alta definição da Sony, que faz os televisores comuns parecerem coisa da Idade da Pedra - até amostras das milenares tradições japonesas, nas dobra duras de papel, os origami, ou nos arranjos florais, os ikebana. A exposição é organizada pelo Jornal Paulista, da colônia japonesa em São Paulo, e patrocinada por empresas com sede no Japão. No Museu de Arte de São Paulo, Masp, até 10 de julho, uma grande mostra de artistas plásticos japoneses e seus descendentes no Brasil, batizada de Exposição de Arte da Colônia Japonesa, vai juntar telas, cerâmicas e esculturas produzidas desde o tempo em que o primeiro imigrante botou os pés aqui, em 1908. Nunca houve outra exposição desse tipo que tivesse, ao mesmo tempo, tanta importância e tanta qualidade. No Museu da Imagem e do Som, MIS, até 10 de julho também, a mostra Grandes Momentos do Cinema Japonês, com sessões triplas, diárias e gratuitas, vai oferecer ao paulistano o mais completo panorama que se pode ter do cinema no Japão - com destaque para preciosidades como, por exemplo, o filme Não Lamento minha Juventude, o sexto da carreira do diretor Akira Kurosawa (o mesmo de Dersu Uzala e Ran), até o momento inédito no Brasil.

Fazendo o caminho inverso dos japoneses, que desembarcaram em Santos em 18 de junho de 1908 e subiram a serra, as comemorações dos oitenta anos de imigração japonesa vão sair de São Paulo em direção ao mar. No cais número 16, no Porto de Santos, uma réplica do vapor Kasato Maru, que trouxe os primeiros 791 japoneses, está ancorada até o dia 26 de junho, aberta à visitação. Dentro dele, atores japoneses bilíngües, vestidos com roupas da época, estarão recebendo o público e revivendo um pouco da viagem histórica do navio. Só para reproduzir o Kasato-Maru, a Paulistur gastou 9 milhões de cruzados. Ainda no cais de Santos, haverá uma feira também organizada pela Paulistur, a Expo Banzai (viva, em japonês), com barracas típicas vendendo comidas e bebidas do Japão e ingressos gratuitos.

Em São Paulo, a festa continua com uma exposição de cerâmicas e uma série de concertos de músicos japoneses no Masp (veja toda a programação no quadro da página 13) e uma mostra paralela de cinema organizada pelo Cine Niterói, no bairro da Liberdade - o cinema é o único da cidade que mantém, há 35 anos, uma programação de filmes exclusivamente japoneses. Até os grandes magazines, como Mappin e Mesbla, passarão esta e a próxima semana decorados com motivos orientais e prateleiras recheadas de boas ofertas que têm a cara do Japão - como lençóis e fronhas estampados com ideogramas ou utensílios de cozinha inspirados nos japoneses. Na Mesbla, a coisa vai ainda mais longe: haverá um curso gratuito de culinária japonesa à disposição dos interessados em decifrar os mistérios dos sushis, sashimis e sukiakis. Enfim, São Paulo vai tomar um porre de Japão.

Nessa comemoração toda, há pelo menos um lugar imperdível: a Expo Brasil-Japão. Se não houvesse um único estande, um único artista ou um único aparelho eletrônico sendo exibido no Ginásio do Ibirapuera, ainda assim ela seria uma atração. A lona amarela de 9 000 metros quadrados sob a qual a feira está montada, ao longo de toda a pista de atletismo do Ginásio do Ibirapuera, é, de longe, o maior circo que já aportou na cidade. "É a maior lona do mundo", diz Paulo Ogawa, proprietário do Jornal Paulista, um diário da colônia japonesa com 28 000 exemplares de tiragem, que organizou a exposição. Mas há muito o que ver debaixo dela.

No estande da fabricante de automóveis Toyota, por exemplo, estarão sendo mostrados três dos modelos de carros que a empresa despeja nas ruas do Japão, dos Estados Unidos e de boa parte da Europa. O mais simples deles, o Supra, é totalmente computadorizado - basta olhar o painel para descobrir qualquer defeito no motor, se uma porta não está bem fechada ou quantos litros de combustível o carro gastou nos últimos quilômetros. O mais sofisticado, o New Crown, é um modelo de luxo que só falta conversar com o dono - o resto ele faz. Como a importação de veículos ainda não está liberada no Brasil, eles infelizmente - não estarão à venda.

No capítulo das maravilhas sobre rodas, há também o estande da Kawasaki, com dezesseis motos de deixar qualquer motoqueiro paulistano de boca aberta. A estrela dessa constelação é uma Ninja ZX 1.000, a mais potente fabricada hoje pela empresa, que alcança fácil os 200 quilômetros horários e custa, no Japão, a bagatela de 7 000 dólares - o dobro, ou 2,5 milhões de cruzados, se algum paulistano se dispuser a importá-la. Ainda que não chegue nem sequer aos calcanhares da feira de Tsukuba, no Japão - onde são exibidos os equipamentos eletrônicos de ultimíssima geração, daqueles de deixar um yuppie enlouquecido -, a Expo Brasil-Japão tem novidades. No estande da fábrica de brinquedos Bandai, a maior do Japão, há robôs que falam, jogos eletrônicos de bolso, transformers - bonecos que viram um trator, por exemplo, com apenas um toque - e até um mini-helicóptero movido por controle remoto que pode alcançar os 60 quilômetros por hora. No estande da Sony, a vedete é um videofone - um telefone que mostra a imagem da pessoa que fez a chamada e, quando se tomar corriqueiro, acabará com os trotes.

As mulheres não foram esquecidas. Para elas, há o estande da estilista japonesa Hanae Mori, a mais festejada, hoje, na alta-costura do Japão. Com lojas em Paris, Nova York e Tóquio, Hanae Mori é a estilista predileta da primeira-dama americana Nancy Reagan e da cantora romântica Dionne Warwick. Seus vestidos são deslumbrantes, mas dificilmente poderiam ser usados numa festa que não de gala absoluta: ela costuma cobri-los, de alto a baixo, com pedrarias coloridas, ou tingi-los com cores que, no mínimo, poderiam ser chamadas de berrantes. Na Expo Brasil-Japão, quarenta modelos estarão expostos e diariamente, às 18 e às 20 horas, eles serão desfilados pelos corredores. Nenhum está à venda, mesmo porque os preços são salgados: entre 4 000 e 40 000 dólares cada. Hanae Mori vai doá-los para um leilão da Legião Brasileira de Assistência, LBA, e do Fundo Social de Solidariedade do Palácio dos Bandeirantes - e eles ainda serão exibidos terça-feira num jantar no Clube Monte Líbano, com ingressos a 25 000 cruzados e renda revertida para o mesmo fim.

Seis shows de música popular também vão animar a Expo Brasil-Japão. Nesta segunda-feira, 20 de junho, Jooji Yamamoto e Saburo Kitajima, dois cantores de enka, o ritmo romântico típico do Japão, estarão se apresentando no Ginásio do Ibirapuera. Yamamoto, que vendeu 1,6 milhão de discos no ano passado, é uma espécie de rei da jovem guarda japonesa: ele criou a new enka, introduzindo guitarras e sintetizadores na música tradicional. Kitajima, 1,2 milhão de discos vendidos Kitajima, em 1987, é o Roberto Carlos do Japão. É a segunda vez que ele vem ao Brasil. Na primeira, há quatro anos, o cantor fez shows no Anhembi e doou toda a renda deles, mais algo como 1 milhão de dólares, para a construção de um hospital no Parque Novo Mundo, na Zona Norte da cidade. O hospital, já pronto, seria inaugurado no último sábado, dia 18, com a presença do príncipe Fumihito, do Japão, que participa das comemorações como representante da família imperial japonesa - ele é neto do imperador Hiroito e tem 22 anos.

Antônio Milena
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Paulo Ogawa, do Jornal Paulista: o organizador da Expo Brasil-Japão.

Na sexta-feira 24 de junho, é a vez da banda de jazz-rock Casiopea, que vai dividir o palco com o cantor baiano Gilberto Gil. Ela já esteve no Brasil em 1987 e deixou admiradores. No sábado, a Casiopea volta ao Ibirapuera, só que sem Gil. Na sexta-feira, 1º de julho, Tamlyn Tomita, a estrelinha do filme Karatê Kid II, apresenta um concurso de beleza - o Miss Colônia Internacional, com candidatas de sete países - e, em seguida, faz seu show. Tamlyn, que canta músicas românticas, também já esteve no Brasil - aliás, foi aqui que ela começou sua carreira, ao ser eleita Miss Nikkey há três anos. O último show do roteiro da Expo Brasil-Japão está marcado para o dia 2 de julho, sábado: Shozo Isse, um ex-guitarrista de rock que enveredou pela música instrumental, se apresenta com a Banda Jobim, formada com os filhos do músico brasileiro Tom Jobim.

A Expo Brasil-Japão é, também, um bom lugar para as compras. No estande da Tiger, uma das maiores fabricantes japonesas de artigos esportivos, há tênis e agasalhos não muito baratos, mas definitivamente bonitos. Nos vinte estandes que representam as províncias japonesas, pode-se encontrar desde quimonos de pura seda até sandálias japonesas - aqueles tamancos de madeira sobre os quais apenas as gueixas sabem se equilibrar. Finalmente, boas ofertas podem ser encontradas no estande da LBA: são inúmeros produtos japoneses, como varas de pescar, isqueiros, porcelanas e o que mais de bom se produz na chamada Terra do Sol Nascente. "Será o maior festival japonês já visto na cidade", diz Paulo Ogawa. Depois que ele terminar, São Paulo ainda ganhará um presente: o jardim japonês cuidadosamente plantado em 140 metros quadrados, no Ginásio do Ibirapuera, não será desmanchado. "Será uma lembrança da colônia", diz Ogawa. Uma lembrança da festa dos oitenta anos de imigração - mesmo porque, quando ela acabar, os japoneses, metódicos e precavidos que são, certamente começarão a pensar, já, nos festejos dos noventa anos.

 
 

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