Reportagens › Traços incertos
Veja, 11/10/1972DA REDAÇÃO
Ypê Nakashima Bigodão rapta a indefesa Maria |
Ypê Nakashima Um curumim orienta os perseguidores |
Piconzé é um menino do nordeste brasileiro disposto a tarefas difíceis. Sua namorada, Maria Esmeralda, é raptada por um bandido, Bigodão, e ele parte na sua expedição de caça. Ao lado dos amigos, o porco Chicão e o papagaio Papo Louro, Piconzé encontra criaturas nacionais, como o Saci Pererê e o Caapora, e internacionais, como um dragão importado diretamente do Oriente e bruxas sem nacionalidade certa. A tudo e a todos Piconzé sobrevive, fazendo justiça ao seu nome: é um "picão", espécie de carrapicho preto, em forma de agulha, que gruda na roupa e não sai com facilidade, simbolizando uma espécie de resistência.
A tarefa mais difícil de Piconzé, porém, simbólica também de todo o desenho animado brasileiro, ainda não foi ganha. Até o fim do ano, seus criadores vão disputar uma vaga entre as reprises de velhos desenhos importados e os preconceitos de um mercado que não tem a menor tradição de mostrar produtos brasileiros.
Paciência - "Piconzé", o segundo de desenho animado brasileiro em longa metragem a ficar inteiramente pronto, nos últimos vinte anos, reflete dramaticamente os resultados dessa falta de tradição Nakashima, 46 anos, o desenhista japonês que vive há quinze anos no Brasil e começou a criar "Piconzé" em 1967, e seu produtor João Luís de Araújo, 36 anos, dono de um estúdio que produz comerciais para a televisão, formaram uma equipe de trinta pessoas escolhidas depois de um anúncio no "São Paulo Shimbun", da colônia japonesa. Com uma paciência oriental, os 25 000 desenhos começaram a ser passado papel para o acetato em fins de 1968 e só ficaram prontos em maio de 1970. "Eu não quis fazer fundos pintados", explica Nakashima. "Preferi um fundo de colagem, que dá mais trabalho mas é mais criativo."
Ypê Nakashima Piconzé faz planos para a luta |
Ypê Nakashima E viveram felizes para sempre |
Assim, a equipe passou vários meses recortando revistas para criar o cenário da vida de Piconzé. Para as florestas, a equipe recortou avidamente anúncios de forros, bons para compor o tronco das árvores. Para o sapé que cobre as casas, o ideal eram anúncios de xampus: os cabelos de Jane Birkin, de um louro acastanhado, são agora a telhado de muitas cenas do filme.
À parte alguns problemas previsíveis (Nakashima, de tanta desenhar, pegou uma artrose no ombro) e outras imponderáveis (o guache não serve para colorir filme porque racha e exerce grande atração sobre as baratas, que comeram algumas partes do filme), "Piconzé" foi concluído num prazo e custo (400 000 cruzeiros) até "razoáveis", segundo seus produtores. "O Instituto Nacional do Cinema achou o filme maravilhoso", conta Araújo, "mas eles estão enganados se pensam que nossa experiência vai servir a outros desenhistas. Se não houver incentivos fiscais, o próximo desenho vai aparecer daqui a dez anos."
* "Sinfonia Amazônica", de Anélio Lattini Filho, foi o primeiro. Entre outros projetos inconclusos, o desenhista paulista Hamilton de Souza trabalha, há pelo menos quatro anos, numa monumental "História da América".
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil