Reportagens › Tá tudo dominado, né?
SIDNEY GUSMAN
DESIGN RENATA STEFFEN
ILUSTRAÇÕES LYDIA MEGUMI OIDE
A França sempre mandou muito bem em matéria de quadrinhos. Asterix e sua turma de gauleses, por exemplo, são um sucesso mundial. Mesmo com essa tradição toda, um terço dos gibis lançados na França no ano passado eram mangás – as histórias em quadrinhos típicas do Japão. Nos Estados Unidos, duas editoras que dominam o mercado de mangás por lá, a Viz e a Tokyo Pop, não têm medo de dizer que são as maiores editoras americanas de quadrinhos, ignorando as gigantes Marvel (Homem-Aranha) e DC Comics (Batman). No Brasil, atualmente, há 19 títulos em bancas, alguns quinzenais. Do total de cartoons exibidos pelo planeta afora, cerca de 60% são animês – os desenhos animados japoneses.
Por trás dessa verdadeira invasão nipônica está uma indústria que acumula níveis de força para Pokémon nenhum botar defeito. Só para se ter uma noção desse poder, basta lembrar que os mangás são responsáveis por 40% do faturamento do mercado editorial do Japão – que é o maior do mundo, movimentando quase 70 bilhões de reais por ano com a venda de livros e revistas. Só de mangás “de peso”, o país tem cerca de 13 publicações semanais, dez quinzenais e 20 mensais. E pelo menos dez dessas revistas vendem mais de 1 milhão de cópias por número!
O plano de invasão
Essa poderosa indústria é antiga no Japão e os preparativos para ela se expandir pelo planeta começaram ainda na década de 40, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “No dia seguinte à perda da guerra, um ministro japonês disse a um jornal local que o país mostraria ao mundo sua força. O Japão passou a investir pesado em exportações. Primeiro, foram pérolas e equipamentos eletrônicos. Depois, artes tradicionais e tecnologia de ponta. Até finalmente chegar à cultura pop. O resultado está aí”, diz a professora Sonia Bibe Luyten, autora do livro
Mangá – O Poder dos Quadrinhos Japoneses. É claro que a tradição na produção dessas histórias ajudou bastante. Enquanto no mundo ocidental quadrinhos do final do século 19 são considerados os pioneiros do gênero, no Japão já existiam ilustrações com quadros e balões desde o início do século 18.
Mas o grande mestre dessa antiga escola só iria surgir mesmo durante os preparativos para a “invasão mundial”. Foi no final da década de 1940 que Osamu Tezuka, criador de obras como A Princesa e o Cavaleiro, estabeleceu as características que definiriam de vez a cara dos mangás: olhos grandes e expressivos, tramas cheias de conceitos como amizade e superação e traços estilizados. A influência do artista – falecido em 1989 – foi tão grande que até hoje ele é chamado de “Deus Mangá”.
Primeiro a TV, depois as bancas
O curioso é que, apesar de serem os irmãos mais novos dos mangás, foram os “cartoons orientais” que formaram a linha de frente nipônica na invasão mundial. No Brasil, por exemplo, animês como A Princesa e o Cavaleiro e Fantomas chegaram por aqui na década de 70, enquanto os primeiros quadrinhos só seriam vendidos no fim dos anos 80. Esse processo se repetiu pelo planeta.
É provável que os mangás tenham demorado mais para pegar no resto do mundo por causa de um problemão técnico: como no Japão a ordem de leitura é da direita para a esquerda, as ilustrações dos mangás tinham que ser “flipadas”, ou seja, invertidas de lado. Assim, nos países ocidentais os personagens se cumprimentavam com a mão esquerda, usavam relógios na direita... Foi só no final dos anos 90 que essa confusão terminou: as editoras ocidentais se renderam ao sucesso dos mangás e passaram a publicar as obras no sentido original de leitura, ou seja, para nós, de trás para frente.
Hoje, com o sucesso da invasão nipônica, todo mundo está de olho no que os japoneses andam aprontando por lá. Se para os fãs brasileiros 2004 foi o ano de Yu-Gi-Oh!, em 2005 uma das novidades deverá ser One Piece – saga em que um garoto chamado Ruffy tem o poder da elasticidade e sonha ser o maior pirata de todos os tempos. Na forma de mangás essa história é publicada no Brasil pela editora Conrad, mas no Japão One Piece já migrou para a TV, sendo um dos animês mais populares da atualidade.
Sexo, humor, ação...
A variedade de mangás é tão grande no Japão que existem títulos especializados em assuntos como beisebol, artes marciais, história e até moda. Mas são quatro os principais gêneros de quadrinhos, que recebem nomes específicos:
Shojo: são mangás para as adolescentes, com histórias com romance e aventuras
Shonen: são para os adolescentes. É o maior nicho do mercado e usa muita ação, violência e humor
Gekigá: têm como alvo o público adulto, com tramas mais densas e dramáticas
Hentai: também são mangás para adultos, mas com conteúdo pornográfico.
AKIRA Autor: Katsuhiro Otomo Quando surgiu: 1982 Auge: Década de 90 Personagens principais: Kaneda, Tetsuo, Akira, Coronel, Kay e Ryu Trama básica: Trinta e oito anos depois da Terceira Guerra Mundial, o mundo tenta se reerguer. Em Neo-Tóquio, onde ocorreu a primeira explosão do conflito, Tetsuo, integrante de uma gangue de jovens motoqueiros, quase atropela um misterioso garoto com feições de velho e um número tatuado na mão. É o início do mistério. Depois que Tetsuo some, seu amigo Kaneda vai à sua procura e acaba envolvido numa trama que engloba crianças paranormais, um golpe para derrubar o governo e muita aventura. Por que marcou: Akira é um dos melhores quadrinhos de ficção científica de todos os tempos. Seu sucesso aumentou quando virou um filme eletrizante, em 1988. No Brasil, a série foi publicada em 38 edições pela editora Globo, entre 1990 e 1997, no sentido ocidental de leitura e colorida, como saiu nos Estados Unidos.
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LOBO SOLITÁRIO Autores: Kazuo Koike (roteiro) e Goseki Kojima (arte) Quando surgiu: 1970 Auge: Década de 80 (Ocidente) Personagens principais: Itto Ogami e Daigoro Trama básica: Itto Ogami, o executor oficial do shogun (uma espécie de senhor feudal japonês), é uma lenda devido a sua grande habilidade com a espada. Mas um clã de assassinos forja provas contra esse samurai e mata sua esposa, fazendo seu mestre passar a caçá-lo. Itto Ogami, então, jura matar todos que tramaram contra ele. Por que marcou: Lobo Solitário mostra com detalhes, num desenho muito ágil, o Japão feudal, o modo de vida dos samurais, a submissão dos camponeses e outros aspectos da cultura japonesa. As cenas de luta são empolgantes. No Brasil, nunca foi publicado até o final, mas está de volta às bancas pela editora Panini. No total, a saga tem mais de 8 400 páginas!
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DRAGON BALL Z Autor: Akira Toriyama Quando surgiu: 1984 Auge: Década de 90 Personagens principais: Goku, Vegeta, Piccolo, Gohan, Kulilin e Mestre Kame Trama básica: Goku é um poderoso garoto que não sabe que é um extraterrestre. Quando ele e seus amigos não estão em busca das sete esferas do dragão — que convocam o monstruoso Shenlong, capaz de realizar qualquer desejo —, disputam um famoso torneio de artes marciais. Na saga os personagens crescem e o Goku adulto vive defendendo a Terra e procurando adversários capazes de fazê-lo elevar seu poder de luta. Por que marcou: Dragon Ball é o mangá de maior sucesso mundial, com mais de 100 milhões de cópias vendidas somente no Japão. No Brasil, em 2002, a primeira edição da revista Dragon Ball Z, da editora Conrad, vendeu 100 mil exemplares! No Japão, a série terminou em 1995, mas ainda hoje conquista fãs.
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SAMURAI X Autor: Nobuhiro Watsuki Quando surgiu: 1994 Auge: A partir de 2000 Personagens principais: Kenshin, Kaoru, Sanosuke, Yahiko e Saitou Trama básica: Por trás do pacato andarilho Kenshin Himura se esconde o mais temível assassino do Bakumatsu — guerra que marcou o fim do regime feudal no Japão. Ao término dos conflitos, Kenshin, que tem uma cicatriz em “X” na face, jurou nunca mais matar e sumiu pelo Japão. Mas, ao mesmo tempo em que faz alguns amigos, antigos e novos inimigos vão surgindo, tentando fazê-lo voltar aos dias de luta. Por que marcou: Samurai X mistura ação, intriga, violência, drama, comédia e romance. Um dos pontos altos eram os variados golpes utilizados pelos personagens nas batalhas. A série, que teve 56 edições lançadas no Brasil pela editora JBC, também ganhou a televisão, em 1996. Por aqui, os desenhos foram exibidos pela Rede Globo e pelo Cartoon Network.
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VAGABOND Autor: Takehiko Inoue Quando surgiu: 1998 Auge: A partir de 2000 Personagens principais: Musashi, Matahachi, Otsu, Joutaro e Kojiro Trama básica: Takezo Shinmen participou de uma famosa batalha na história da Japão, mas estava do lado derrotado. Ele decide então vagar sem rumo e encontra pelo caminho a bela Otsu, o garoto Joutaro e diversos espadachins, enfrentando-os em busca da perfeição. Shinmen passa a se chamar Miyamoto Musashi e a cada adversário derrotado sua técnica se aprimora mais. Por que marcou: Miyamoto Musashi é um personagem real: é o mais famoso samurai da história do Japão. Essa versão para os quadrinhos da vida do herói de carne e osso é soberba, especialmente pelo traço detalhado de Takehiko Inoue, que difere do estilo dos mangás tradicionais. Vagabond é a única saga desse quinteto selecionado que ainda não terminou no Japão. Ela é publicada no Brasil pela editora Conrad e está na edição 35.
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A PRINCESA E O CAVALEIRO Autor: Osamu Tezuka Quando surgiu: 1967 Auge: Década de 1970 Personagens principais: Safiri, Príncipe Frans, Ching, Duque Duralumínio e Nylon Trama básica: Na Terra de Prata, uma antiga lei obrigava o rei local a ter um homem como primeiro filho. Por isso, Safiri se veste como um rapaz para encarar as falcatruas armadas pelo Duque Duralumínio e seu ajudante Nylon, que querem tomar o trono. Ela só revela ser mulher para seu amado Príncipe Frans. Por que marcou: Dentre os vários mangás produzidos por Osamu Tezuka que ganharam a telinha, A Princesa e o Cavaleiro certamente foi o que mais marcou época no Brasil. Seus 52 episódios foram exibidos nas TVs Tupi e Record. Recentemente, a editora JBC lançou o mangá (em oito edições) que deu origem ao tradicional desenho. |
SPEED RACER |
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DRAGON BALL Z |
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CAVALEIROS DO ZODÍACO |
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POKÉMON |
Depois que os mangás dominaram as bancas brasileiras, muita gente passou a desenhar no estilão dos japoneses. Há, inclusive, vários cursos que ensinam as técnicas de forma mais apurada. Mas, se você tem pressa (ou se a grana tá curta...), pode arriscar os primeiros traços seguindo as dicas ao lado. Elas foram extraídas da Super For Kids, uma edição especial da revista Superinteressante, publicada em outubro de 2002.
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O rostoAlgumas marcações ajudam a desenhar um rosto proporcional. Faça uma espécie de elipse para representar a cabeça e depois atravesse-a com linhas, como no exemplo ao lado. Essas linhas servem de base para posicionar olhos, nariz e boca. Depois, apague as linhas e faça o “acabamento” do rosto, com destaque para os olhos grandes. |
O CorpoPara fazer o esboço, use linhas e bolinhas (nos pontos das articulações do corpo) — um boneco articulado pode ajudar, servindo como um modelo. Nos mangás, o corpo dos personagens tem tronco pequeno e pernas e braços mais compridos — mas esses membros devem manter uma proporção entre si. |
Na livraria:
Mangá - O Poder dos Quadrinhos Japoneses - Sonia Bibe Lutten, hedra, 2000
Uma biografia Mangá: Osamu Tezuka - Toshio Ban e Tezuka Produções, Conrad, 2003
Na internet:
www.mangax.com.br
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil