Reportagens › O Sushiman número 1
Veja SP, 4/06/2008Carlos Maranhão
Com fama de chato e mal-humorado, o paulista Jun Sakamoto, o mais premiado chef de cozinha japonesa que o Brasil já teve, ganha um livro requintado sobre sua arte e finalmente fala da vida de aventureiro que levou, “pulando de galho em galho”, até descobrir o que seria capaz de fazer com uma boa faca na mão.
Em São Paulo, onde existem hoje cerca de 600 lugares que servem comida japonesa — um número 20% maior do que o de churrascarias —, calcula-se que sejam consumidos em média 12 milhões de sushis por mês. Nesse universo dominado por cardumes de salmão, barris de saquê, rios de shoyu e florestas de hashis, a imensa maioria dos consumidores que devora temakis nas praças de alimentação ou encomenda combinados pelo telefone provavelmente jamais ouviu falar de um sujeito considerado mal-humorado que atende com hora marcada, em um lugar pequeno, no máximo oito pessoas por vez. Cada uma delas paga 250 reais pelo privilégio, serviço incluído, bebidas não, e sai dali leve, solta e extasiada. Entre os iniciados e especialistas, porém, ele está perto de se tornar uma unanimidade. Aos 42 anos, Leonardo Jun Sakamoto, paulista de Presidente Prudente, é reverenciado como o sushiman número 1 do Brasil.
Discreto a ponto de não colocar placa na porta de seu restaurante, ele se mostra tão reservado em relação à privacidade que não informa em que bairro mora. Tampouco conta que, casado com a mulher pela qual se apaixonou na adolescência, tem dois filhos. Se indagam em que local costuma correr uma hora pela manhã (terminou quatro vezes a São Silvestre e pretende um dia participar da Maratona de Nova York), limita-se a dizer que é em um parque da cidade, sabe Deus qual. Nesta semana, parte do mistério se desfaz. Na quinta-feira (5), será lançado na Livraria Cultura do Conjunto Nacional um livro de 274 páginas sobre sua vida e sua arte. Publicado pela editora BE˜I, Jun Sakamoto — O Virtuose do Sushi (274 páginas; 175 reais) é uma das mais primorosas obras sobre gastronomia já feitas no país. Em volume separado, sairá ainda O Japão por Jun (120 páginas; 45 reais), um pequeno guia de restaurantes e atrações culinárias de Tóquio e algumas outras cidades japonesas.
O livro traz um fascinante ensaio em preto-ebranco do fotógrafo e arquiteto paulista Cristiano Mascaro. São 55 imagens, clicadas em São Paulo e no Japão, onde Cristiano, Jun, o editor Tomás Alvim e a professora de gastronomia Mari Hirata passaram 23 dias para realizar o trabalho. Três das fotos ilustram esta reportagem. Cristiano, que usa câmera digital apenas “como caderno de anotação”, fez os registros com uma Leica alemã e filmes Kodak Tri-X revelados e ampliados por sua laboratorista de confiança. Nada de flash, só luz natural. “Tudo discretamente, sem invadir o restaurante e a intimidade dos freqüentadores”, explica. Já os esplêndidos e apetitosos retratos dos pratos, que ilustram 22 receitas descritas passo a passo, foram produzidos de forma oposta. O suíço Andreas Heiniger, que se mudou para o Brasil em 1974 e é tido como um mestre da fotografia para publicidade, sobretudo de automóveis, fechou o restaurante durante três dias inteiros, transformou-o em um estúdio e levou para lá uma equipe de cinco assistentes. Parte das fotos — batidas com uma Hasselblad sueca digital — exigiu três fontes diferentes de iluminação. Cada prato foi preparado pelo menos duas vezes. Na primeira, para o demorado acerto de enquadramento, foco e luz. Em seguida, Jun refazia a receita, que era fotografada de imediato, sem nenhum truque — no restaurante, ele serve os sushis um a um, nunca colocando vários deles juntos no prato de cerâmica, e exige que, para a correta degustação, o cliente coma sua iguaria na mesma hora. “Os pratos e as fotos tinham de ficar absolutamente precisos”, diz Heiniger.
E ficaram. “É isso que sempre me fez vir até três vezes por semana ao restaurante do Jun: desfrutar sua busca pela perfeição”, conta a mineira de formação carioca Marisa Moreira Salles, hoje moradora de São Paulo, designer, editora de livros e gourmet. Ainda mais avessa aos holofotes do que o sushiman, ela teve a idéia de fazer o livro de tanto comer lá com o marido, o banqueiro Pedro Moreira Salles. Para escrever o texto principal, Marisa convidou o jornalista Thomaz Souto Corrêa, o TSC, vice-presidente do conselho editorial da Editora Abril, que virou freguês de casas japonesas nos anos 60, quando eram circunscritas ao bairro da Liberdade. TSC realizou doze sessões de entrevista com Jun, no período de um ano, antes de redigir o longo e surpreendente perfil do nissei que foi mau aluno, não sabia o que queria na vida, tornou-se aventureiro e trabalhou como imigrante ilegal em restaurantes de Nova York, onde era tratado aos gritos pelos chefs, entre eles um certo Nakamura-san. Além de destrinchar frangos, era incumbido da faxina do restaurante. Um dia, Jun percebeu que Nakamura-san estava confiando nele. “Chanto minasai”, disse o chef. Ou seja, preste atenção. Mostrou-lhe então como se limpa e corta um linguado. “Acho que foi quando eu realmente senti que tinha algum potencial com uma faca na mão”, afirma no livro. “Pensei, de brincadeira, que virava bandido ou sushiman...” Jun diz que aprenderia os segredos de seu ofício “pulando de galho em galho”, até que, como cliente do microscópico restaurante Komazushi, que funcionava na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 2050, passou a observar em ação o soturno, calado e brilhante Takatomo Hachinohe, o mais lendário sushiman da história da gastronomia paulistana. “O sushi de Hachinohe, ídolo da minha vida, mexia na boca”, garante Jun. “Na verdade, todo grande sushi mexe mesmo”, escreve TSC. “É uma seqüência de segredos que o tempo ensina aos mais talentosos e que deixa o arroz se expandir.” Quando Hachinohe morreu, em 1998, Jun foi convidado pela viúva para substituí-lo, já no Shopping Top Center, na Avenida Paulista, onde ficaria durante um ano e meio.
Em setembro de 2000, finalmente, ele abriu o restaurante Jun Sakamoto, na Rua Lisboa, em Pinheiros. Tem 36 lugares — doze no balcão, e, destes, oito atendidos pessoalmente pelo dono, mediante reserva, de segunda a sábado, a partir das 19 horas — e clientela silenciosa, que experimenta sabores raros e texturas excitantes ao som em baixo volume de Miles Davis, Duke Ellington e outras estrelas do jazz. No cardápio, pode-se ler o que está tocando naquela noite. “Se você presta atenção, o jazz é lindo. Se não, ele não incomoda”, acredita Jun, que fica absorto enquanto maneja sua longa faca Aritsugu, fabricada em Kioto pela mesma família desde 1560, há dezoito gerações — e vendida exclusivamente a profissionais, com afiação personalizada que leva em conta a postura corporal do sushiman.
Se um dia você for lá, tome certo cuidado. Não com a faca, é claro. Mas com as reações do homem que a empunha com espantosa destreza, sendo capaz de picar nabo ou fatiar um toro de olhos fechados — o que às vezes acaba de fato acontecendo, em razão de uma enxaqueca crônica que lhe fecha a vista direita por vários minutos —, e que pode sair do sério se, ao sentar-se numa das banquetas, alguém cometer uma das seguintes imprudências:
■ Pedir um combinado de sushi e sashimi, um califórnia ou apenas salmão e atum. “Aqui não tem, vá a outro lugar”, vai sugerir, dando o endereço da casa vizinha.
■ Querer colocar mais shoyu no sushi. O molho à base de soja é dosado na hora, em gotinhas, por seu assistente, José Francisco de Araújo, o paraibano Zezinho, que, ao lado do sushiman Juraci Pereira, o paulista Jura, trabalha com ele, raramente abrindo a boca, desde o início do funcionamento do restaurante.
■ Queixar-se do preço. Justificativa de Jun: “Massa é farinha e água, e tem restaurante italiano que cobra 60 reais por um prato de macarrão. Do filé mignon, aproveita-se tudo, mas de um linguado eu jogo mais da metade fora. Meu arroz californiano custa sete vezes mais do que um similar brasileiro. Meu vinagre japonês, doze vezes mais. E 60% dos peixes da minha degustação são importados”.
Acompanhar a refeição com refrigerante, e não com champanhe, vinho branco, cerveja ou saquê, pode? Sim. “No começo, eu fazia cara feia”, admite. “Hoje, eu deixo. O azar é de quem pede, porque o refrigerante tira a fome. Ora, a fome é o melhor tempero. Se você quiser sushi para viagem, o.k. também, pode levar. Ajuda a pagar minhas contas.” E nosso sisudo, seriíssimo e perfeccionista sushiman número 1 — banzai! — dá a primeira boa risada do dia.
THOMAZ SOUTO CORRÊAChegou o momento mágico. Jun começa a preparar os sushis. O primeiro desta noite é o desejado toro, o atum gordo, com uma leve camada de wasabi, uma espécie de raiz-forte japonesa, tempero básico em sushis e sashimis. Depois, pela ordem, seguem-se o salmão, também com wasabi e raspa de limão siciliano; o buri, ou olho-de-boi, que até a chegada dos japoneses ao Brasil era um peixe desprezado, freqüentemente devolvido ao mar; o quarto peixe é o robalo, ao qual Jun acrescenta uma folha de shiso, a folha japonesa de paladar muito diferente do que conhecemos; o sushi com linguado é servido com a pasta de limão japonês macerado com pimenta verde; o pargo também vem com shiso; tanto o peixeserra quanto a sororoca, também chamada de cavala, têm o gosto forte reforçado com wasabi, gengibre e cebolinha. A degustação está pela metade quando aparece a cavalinha, que já vem marinada do Japão, bastando um toque de wasabi; a lula leva uns cortes no dorso, onde penetra o suco do limão taiti e a fleur du sel, o delicado sal francês, dos mais puros que existem; a vieira recebe um caldo de limão siciliano; o marisco vermelho japonês não precisa mais do que um pouco de wasabi; o shirauo, que parece angüila, vem envolto em alga crocante; mas as ovas de ouriço, o uni, ficam mais ricas com suco de limão taiti e flor de sal; a ostra suculenta aparece envolta em alga e temperada com wasabi, pimenta com nabo e molho ponzu, à base de shoyu e limão; por último, a degustação de sushis termina com a anguia, levemente grelhada, envolta com arroz numa folha de alga crocante, com o molho adocicado teriyaki e sanshô, uma erva que dá o acabamento. Quem coloca a peça de sushi na frente do cliente é o Zezinho, que também passa o pincel com shoyu levemente temperado sobre cada peixe. Ao contrário do que muita gente faz, Jun aconselha seus clientes a comer sushi com a mão, “para sentir a textura no tato”. Quando o cliente acha que acabaram as delícias, porque Jun já serviu os dezesseis sushis da degustação dessa noite, vêm duas surpresas da cozinha: espaguete com uni, a ova de ouriço, e o chawanmushi, uma
tigela tampada com o tradicional creme de ovo japonês que Jun prepara com cogumelo, frango, óleo trufado e a gema crua no final, que — com uma pitada de flor de sal — transforma a boca numa antecâmara do paraíso. (Trecho do livro Jun Sakamoto — O Virtuose do Sushi) |
Andreas Heiniger |
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Preparo:
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1. Em uma frigideira, aqueça uma colher (sopa) de azeite em fogo baixo e doure o alho. Junte o curry e os camarões, dourando-os de leve.
2. Retire os camarões. Na mesma frigideira, prepare o molho, acrescentando o tomate e a hortelã. 3. Em outra frigideira, refogue os cogumelos com a outra colher de azeite. Com o auxílio de um aro metálico de 7,5 centímetros de diâmetro, monte um círculo com os cogumelos no centro de um prato. Retire o aro. |
4. Disponha os camarões sobre os cogumelos e arremate com um arranjo de pontas de folhas.
5. Distribua o tomate do molho no prato ao redor da montagem. 6. Regue a salada com o molho e finalize salpicando a flor de sal e a pimenta-do-reino. |
Andreas Heiniger |
Rendimento: 4 porções Ingredientes Molho de missô |
Preparo:
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1. Em uma panela, ferva o saquê e o saquê mirin até o álcool evaporar (mais ou menos três minutos após atingir a fervura).
2. Apague o fogo e adicione ao saquê fervido o shiromiso, o akamiso e o açúcar. 3. Misture bem até que todos os ingredientes estejam bem dissolvidos. Leve ao fogo brando por mais quinze minutos. Deixe esfriar. |
4. Marine os filés de salmão nesse molho de missô por dois dias, na geladeira.
5. Grelhe os filés por dez a quinze minutos, a 180 graus, em forno que tenha salamandra ou grill (acendendo a salamandra no fim, para deixar o peixe bem dourado). Na falta desse forno, pode-se grelhar em uma assadeira, diretamente no fogo. 6. Sirva sobre folhas de bambu ou de avencão. |
Andreas Heiniger |
Rendimento: 4 porções Ingredientes |
Preparo:
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1.Comece fazendo uma calda de laranja. Em fogo médio, cozinhe por seis minutos (sem ferver) o suco de laranja, o suco de limão e o açúcar.
2. Acrescente a gelatina, mexa por mais dois minutos e desligue o fogo. 3. Esfrie em uma cuba de gelo. 4. Em seguida, prepare a massa para |
5. Bata com um fouet.
6. Acrescente 200 g de farinha (reserve 100 g para passar o figo). 7. Misture. 8. Passe o figo pela farinha de trigo reservada e depois pela massa de empanar. 9. Frite nos dois óleos misturados a 180 graus, até dourar. |
10. Retire os figos do fogo, deixe esfriar e corte cada um em oito gomos.
11. Em cada prato que for servir, faça um círculo com a calda de laranja. No centro, ponha uma bola de sorvete. 12. Arrume os figos em torno do sorvete. Enfeite com folhas de hortelã. |
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Os japoneses chegaram aqui há um século. Desde junho de 1908, muita coisa aconteceu. Ajude a resgatar essa memória.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil