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Exame, 9/03/1988

O império da cautela

A Saga do trabalho (continuação)

Para investir no Brasil, o capital japonês requer segurança política e econômica, afirma o dirigente da poderosa Keidanren

Costuma-se dizer que o Japão é o país mais rico do mundo, mas a verdade é que temos vários problemas", confessa o economista Hiroya Ichikawa, vice-diretor do Departamento de Cooperação Econômica da Keidanren, a poderosa Federação das Organizações Econômicas do Japão, hoje integrada por 119 associações e 887 corporações empresariais japonesas. Formado pela Universidade Keio, em Tóquio, ex-adido econômico especial da embaixada japonesa em Londres e ex-consultor do Conselho de Comércio Japão-Estados Unidos em Washington, Ichikawa recebeu o repórter Roberto Navarro em seu modesto escritório na sede da Keidanren no bairro de Chiyoda, na capital japonesa, para uma longa entrevista, especial para EXAME, sobre o passado, o presente e o futuro das relações entre o Brasil e o Japão.

EXAME - Qual a avaliação da Keidanren sobre a emigração de japoneses para o Brasil e, particularmente, as relações econômicas entre os dois países ao longo dos últimos 80 anos?

ICHIKAWA - Os imigrantes japoneses trabalharam duro, tendo dado uma tremenda contribuição ao desenvolvimento da economia, das indústrias e da sociedade brasileiras. Hoje, os filhos e netos dos imigrantes estão assumindo postos de liderança no governo e nos negócios do Brasil, e, quando nos encontramos com eles, às vezes cometemos o erro de achar que são japoneses. Embora se pareçam conosco no aspecto físico, eles têm uma cultura brasileira, ao mesmo tempo que são capazes de compreender a mentalidade japonesa. Isso é algo apreciável, já que podem agir como intermediários entre os dois países. Acho que essa é uma grande vantagem do Brasil.

EXAME - Acredita que o Japão explora convenientemente o potencial econômico do Brasil?

ICHIKAWA - A história do relacionamento entre Brasil e Japão é bem longa, mas tivemos que esperar até meados da década de 50 para que a comunidade de negócios japonesa começasse a fazer investimentos no Brasil. Depois, no início dos anos 70, o Japão começou a ter superávits no comércio exterior, e houve uma verdadeira onda de investimentos no Brasil, com base naquilo que foi chamado de "milagre brasileiro". Nós acreditávamos que esse "milagre" seria mantido por muitos anos, e isso estimulou os investimentos. Mas então houve problemas, não apenas com o Brasil mas também com muitos outros países, envolvendo diversos fatores econômicos internacionais. A partir desse momento, os investimentos ativos no Brasil deixaram de progredir como desejávamos. Mas, uma vez que a administração da economia esteja sob controle, o Brasil não terá necessidade sequer de encorajar investimentos.

EXAME - Por que as empresas japonesas instaladas no Brasil, como Toyota ou Ishikawajima, não cresceram como as respectivas matrizes japonesas?

ICHIKAWA - Isso está relacionado com o que eu disse antes. Se a administração da economia como um todo não é satisfatória, é impossível querer que a operação das companhias avance. Neste momento, minha impressão sobre o Brasil é que o país vai passar por um tremendo período de transição, não só do sistema político mas também dos sistemas econômico e social. Talvez esse tipo de mudança seja equivalente à que tivemos no Japão cerca de 100 anos atrás, durante a Restauração Meiji. Não quero com isso dizer que o Brasil esteja 100 anos atrasado, mas em termos de importância do impacto da mudança que está se realizando, talvez haja semelhança com aquele período da história japonesa. Acho que é necessário ser paciente, porque é impossível alcançar a democracia de uma hora para outra. Como um observador situado no exterior,entendo que existem muitos problemas internos. Depois que o país superar essa fase, tenho certeza de que o potencial do Brasil poderá ser explorado, inclusive pelos próprios brasileiros.

EXAME -Quais as perspectivas de desenvolvimento das relações Brasil-Japão para o ano 2000?

ICHIKAWA - São enormes. Embora os dois países estejam muito distantes do ponto de vista geográfico, hoje em dia as distâncias não significam muito. Áreas em que a cooperação pode ser Brasil e o Japão chegaram a um "acordo para colaborar nesse setor. O Brasil está desenvolvendo a indústria de computadores, já completou os dois primeiros estágios de industrialização e daqui para a frente vai se tomar muito competitivo. Por isso, a cooperação futura será muito mais diversificada e dinâmica.

EXAME - De zero a dez, como a Keidanren avalia o Brasil nos aspectos de risco. potencial de mercado e retorno dos investimentos?

ICHIKAWA - É muito difícil colocar as coisas numa escala de zero a dez, mas no momento os riscos para investimentos são bastante altos. Não é interessante para investidores japoneses aplicar no Brasil, por causa da desvalorização da moeda. A estabilização dos preços é de importância vital. Quanto ao mercado, acredito que o Brasil tem o mesmo potencial dos Estados Unidos, por exemplo. Em relação ao retomo dos investimentos, acho que não é culpa do Brasil, mas uma combinação de vários fatores, ainda que a administração da economia tenha tido um papel básico.

EXAME - A indústria automobilística japonesa perdeu definitivamente a oportunidade de estabelecer-se no mercado brasileiro?

ICHIKAWA - Não sei. Na década de 70, o senhor Toyota, presidente da Toyota, esteve no Brasil, e o presidente brasileiro perguntou se ele tinha intenção de ampliar sua fábrica no país. Mas já estavam no mercado brasileiro a Volkswagen e as "grandes" indústrias automobilísticas americanas, e naquele momento pareceu às firmas japonesas que era tarde demais. Muita gente diz que a indústria automobilística foi protegida no Japão. Para a Keidanren, essa é uma visão equivocada. O fator básico para o sucesso da indústria automobilística japonesa foi a competição. Se uma política de competição semelhante existisse no Brasil, a análise das companhias japonesas seria diferente.

EXAME - Quando ao setor de informática, as empresas japonesas teriam interesse em instalar-se no Brasil?

ICHIKAWA - Sim, o interesse existe. Entretanto, sabemos que no momento o governo do Brasil está tentando encorajar sua indústria de alta tecnologia com políticas protecionistas. Mas, enquanto se procura proteger empresas nacionais, no exterior estão ocorrendo enormes inovações tecnológicas quase todo dia. Se para proteger essas companhias o país fecha suas portas, o desenvolvimento de sua indústria de computadores irá sofrer atrasos. Talvez fosse melhor trabalhar em cooperação com firmas japonesas para, juntamente com elas, competir com os americanos, ou vice-versa. A indústria japonesa de informática está avançando porque abrimos mão de uma política protecionista. As companhias têm de competir umas com as outras, e por isso a todo momento estão tentando apresentar novos produtos e idéias.

Para Ichikawa, o Brasil deve estimular a competição entre as empresas e abrir mão do protecionismo para facilitar o desenvolvimento de segmentas industriais de alta tecnologia, como a informática.

Tomie Ohtake

Ana Elisa Oriente
tomie
A artista plástica Tomie Ohtake

O trabalho que ilustra a capa desta edição de EXAME, dedicada aos 80 anos da imigração japonesa e à contribuição dos imigrantes para a economia brasileira, é um óleo sobre tela especialmente produzido pela artista plástica Tomie Ohtake.

Aos 74 anos, Tomie, pintora, gravurista e escultora consagrada, é, ela mesma, um símbolo daquilo que a reportagem de capa um esforço de pesquisa, produção e edição que envolveu 23 profissionais, nos últimos três meses - procurou retratar: o sofrido, mas afinal bem-sucedido, processo de integração em um mundo distante e estranho, de língua e costumes completamente diferentes, que só uma incansável disposição para o trabalho poderia explicar. Experiência exemplar de superação de dificuldades aparentemente intransponíveis, a história da imigração japonesa para o Brasil permite extrair preciosas lições, sobretudo neste momento em que o país parece sucumbir à desesperança.

ESPECIAL / IMIGRAÇÃO JAPONESA - Coordenação e edição: José Paulo Kupfer. Textos e reportagens: Geraldo Hasse (editor), Aldo Renato Soares, Vera Gomes, José Maria Furtado, Lúcio Santos, Maria Aparecida Damasco (enviada especial à Amazônia), Roberto Navarro (especial para EXAME, de Tóquio). Fotografia: Sommer Andrey (editor), Ana Elisa Oriente e Raul Junior. Produção editorial: Marcos Arthur de Mattos, Anselmo da Silva Filho (preparação de textos).

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