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Veja, 18/01/2006

Monja Coen: A estrela do zen-ativismo

Bel Moherdaui

Já ouviu falar da monja Coen? Olhe em volta: na TV, no parque, no jornal, na empresa...

Lailson Santos

Monja Coen, pregadora e ciclista

Parceria com a prefeitura de São Paulo, palestras para executivos de instituições de ponta como Petrobras, Banco do Brasil, Sesc e Banco Real (exemplo de tema: “Vamos fazer de nossa empresa a melhor de todas”; cachê de 1.500 a 2.000 reais), coluna assinada na revista do jornal Agora e participações freqüentes em programas de TV. A agenda de Cláudia Dias Batista de Souza, 58 anos, indica uma palestrante de sucesso no campo das platitudes motivacionais e um nome em ascensão no plantel de convidados dos programas vespertinos dedicados a formas variadas de auto-ajuda. O que a distingue da concorrência, no entanto, salta aos olhos: Cláudia usa manto, raspa os cabelos e adotou o nome de Shin Guetsu Coen. Ou, mais resumidamente, monja Coen, figura freqüente em eventos públicos de São Paulo e alhures, onde sua figura exótica chama atenção, sempre distribuindo sorrisos, pílulas de sabedoria oriental e a sensação de que, se ela está lá, deve ser coisa moderna, multicultural. Uma amostra de suas atividades recentes: Café Filosófico no Parque Trianon, marcha contra a discriminação racial, marcha com moradores de rua, dois atos ecumênicos e uma série de inaugurações de clínicas, empresas, escritórios e restaurantes. “Também faço casamentos, enterros, preces nas casas, bênçãos no trabalho, do carro, da casa e aconselhamento pessoal”, enumera.

Cláudia, esclareça-se, é monja de verdade, com doze penosos anos de formação no Japão, o berço do zen-budismo, a mais rigorosa e estilizada vertente da religião oriental importada pelo Ocidente nos primórdios da contracultura, entre os anos 50 e 60, e ainda hoje opção de alternativos em geral e celebridades do mundo dos espetáculos em particular. A ubiqüidade da monja Coen — cujo nome quer dizer “mente, lua, só e completa” em japonês — é de dar inveja ao Dalai Lama, especialmente depois que fechou a parceria com a Secretaria de Saúde da prefeitura de São Paulo para divulgar sua prática da “meditação com caminhada” pelos parques da cidade. “Fazemos musculação dos neurônios”, descreve. Sobre a presença na mídia, como dizem os neofamosos, ela faz uma comparação que, embora algo imodesta, revela o ímpeto missionário: “Buda divulgava o budismo. Ele não ficava em casa, sozinho. Se tivesse televisão naquela época, tenho certeza de que ele estaria sempre aparecendo nela”.

A trajetória de Cláudia tem os ingredientes de ascensão e queda essenciais nas histórias de conversão. Filha de uma pedagoga e de um professor, cresceu no Pacaembu, bairro rico de São Paulo, e, aos 14 anos, estava casada — de véu, grinalda e mãe chorosa no altar. A filha única, Fábia, nasceu aos 17, à beira da separação do primeiro marido, o piloto de corrida Antonio Carlos Scavone. Seguiram-se as seguintes atividades, não necessariamente em ordem: estudante de direito, jornalista boêmia, professora de inglês, assistente de iluminador de shows de rock (que começou a freqüentar com os primos Arnaldo Batista e Sérgio Dias, dos Mutantes), bancária, bailarina e presidiária em Estocolmo. Flagrada com LSD quando desembarcava de Londres com um namorado que pretendia vender a droga para voltar ao Brasil, “em vez de negar tudo no tribunal, falei que aquele LSD ia ser bom porque ia ajudar a salvar a Suécia do suicídio e do alcoolismo”. Foi condenada a seis meses de prisão. Salvaram-se ambas, Cláudia e a Suécia.

O budismo pintou no maior centro mundial de divulgação da religião: a Califórnia. Morando em Los Angeles, estudou a doutrina com afinco até se transmutar em monja Coen. Cabeleira negra raspada, guarda-roupa reduzido a quimonos e afins, embarcou para um mosteiro feminino em Nagóia. Ao contrário dos filmes de kung fu, em que o candidato a monge, depois de umas rápidas cenas, já sai andando pelas paredes e derrotando exércitos, Cláudia penou longa e nada heroicamente. “Não conhecia a língua nem os costumes. Eu me sentia excluída. Os primeiros dois anos foram de muito sofrimento e dor”, conta. Viu que começava a dominar a língua quando percebeu que as outras, quando a criticavam — e sempre a criticavam —, se referiam a “ela”, sem nome. A primeira meditação era às 4h15. Quem dormia levava bastonadas. Os monges também cumpriam a tarefa de recolher donativos. “Em pleno inverno, na neve, íamos pedir aos agricultores. Uma mão tocava o sino e a outra ia em frente ao rosto. Elas queimavam de tanto frio”, lembra.

De volta ao Brasil, em 1995, com um marido monge dezoito anos mais novo, assumiu o templo Busshinji, encravado no coração da comunidade japonesa de São Paulo, no bairro da Liberdade. Arregaçou as mangas do manto e pôs-se a fazer o que faz melhor: promover o seu produto, com cursos, meditações e palestras. “O templo deslanchou. De 3.000 reais por mês, passou a faturar 20.000”, contabiliza. Junto com o sucesso vieram as críticas e, por fim, seu afastamento. “Os monges japoneses chegam aqui e acabam construindo um japãozinho em miniatura. Quando a monja Coen assumiu a liderança do templo e abriu mais o budismo para os brasileiros, o pessoal não gostou”, diz o historiador das religiões e missionário budista Ricardo Mário Gonçalves, que estudou lá. Atualmente, ela atua no templo que fundou no bairro de Pinheiros, ainda pequeno (“trinta membros ativos e 100 flutuantes, pouquíssimos japoneses”).

Chamada de “Dona Monja” pela cozinheira, Cláudia tem carro, site na internet e celular com musiquinha. Mora com a mãe, a filha e a neta adolescente, que acompanha em compras no shopping, onde sua figura naturalmente desperta grande curiosidade. “Ela chama de templo pagão, não gosta muito, mas vai com a gente”, conta a psicóloga Fábia, 41 anos, responsável por outra deliciosa inconfidência: a monja também não resiste a um McDonald’s. “Não sou muito carnívora, mas de vez em quando como um hambúrguer”, admite ela.

 
 

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