Reportagens › À moda oriental
EDENILSON PERIN
Num asilo local até a missa é rezada em japonês
Fincado no bairro Aeroporto, em Maringá, numa área de 1,5 hectare, o templo budista Jodo-Shu Nippakuji, que mantém um asilo para trinta pessoas, entre 45 e 90 anos, destoa completamente da paisagem a seu redor, tomada por plantações de soja e cana, que nem de longe poderia lembrar o Japão. Os que vivem ali, entretanto, fazem questão de reproduzir todos os rituais que cercam as tradições do seu país de origem, como se tivessem acabado de chegar de lá, sem admitir nenhuma interferência externa. Desde as orações às 6 horas da manhã no templo Jodo-Shu, passando pelas refeições, até o trabalho, tudo é religiosamente seguido de acordo com os costumes orientais.
Todas as manhãs, os japoneses despertam com o badalar de um sino de 600 quilos chamando-os para a meditação no templo Jodo-Shu. Essa cena se repete há mais de quinze anos, desde que foi criada a Associação de Amparo às Pessoas Idosas Wajun-Kai. A entidade deu origem ao asilo para imigrantes japoneses e, ao lado, foi erguido o templo budista. Wajun-Kai, que, em tradução livre, significa "Círculo composto apenas por pessoas de boa índole". A primeira palavra - wajun - também é uma espécie de homenagem ao sacerdote japonês Wajun Taichi, que conseguiu unificar o povo japonês em tomo da fé, acabando com uma eterna guerra entre as colônias. Além das contribuições que recebem do comércio local, a manutenção do asilo e do templo é feita de uma forma muito peculiar: os que têm mais repartem com os que têm menos. Só quem recebe mesada ou aposentadoria é que paga uma mensalidade simbólica à associação mantenedora. Quem não recebe nada não paga nada.
Com expressão de serenidade no olhar, os internos fazem dos 20 metros que separam o asilo do templo uma caminhada de reflexão, logo depois de ouvir o sino. Os passos são vagorosos, bem ao estilo oriental, acrescidos agora do peso da idade.
Quem observa a cena sente-se transportar no tempo e no espaço. Nesse momento, os primeiros raios de sol permitem apreciar a arquitetura rebuscada do prédio para onde se dirigem. O estilo reproduz a beleza das casas orientais, digno de freqüentar as melhores cenas do gênio do cinema japonês, Akira Kurosawa. Dentro do templo, onde cabem no máximo 200 pessoas, o altar, de onde emana a fumaça e o cheiro de incenso, é cheio de imagens e símbolos, ocupando a metade do ambiente. Ali, cerca de dez idosos, sentados na primeira fila, se dedicam, com pedaços de madeira, a retirar sons compassados de um pequeno bongô - uma espécie de tambor - para anunciar a entrada do sacerdote Yutaka Hirosse. Pés descalços e vestindo uma túnica preta, ele sobe ao altar. É o começo da cerimônia diária de agradecimento – permeada de canto e sons produzidos pelos tambores. A cerimônia dura meia hora e é toda celebrada em língua japonesa. Fortalecido o espírito, chega o momento de preparar o corpo para a batalha do dia. E os internos enfrentam, com muita disposição – já no refeitório -, uma sessão de ginástica leve. Comandados pelo mais velho da casa, Takeote, os idosos fazem dez minutos de exercícios respiratórios, movimentos de braço e de tronco.
Antes da terapia terminar, A mulher do sacerdote, Tetuko Hirosse, que gosta de ser chamada de “dona Marina” – “porque ninguém acerta o seu nome" -, já tem a mesa posta. No cardápio, café, leite, pão, biscoitos e manteiga. Todos comem calados. Aliás, esse é um velho hábito. que acompanha os japoneses: falar pouco, só o necessário. A exceção é a zeladora brasileira Lourdes da Costa Chagas, a "dona Alzira", dos internos. Aos 54 anos de idade, ela passou vinte dos quais trabalhando em casas de famílias japonesas. "Aprendi a admirar a sabedoria e a humildade desse povo", diz ela, que já arrisca algumas palavras no idioma da Terra do Sol Nascente, pois os idosos não falam português. No primeiro emprego, ficou desesperada quando um menino chorou durante horas pedindo "makurá". "Se, àquela época, eu soubesse que ele estava querendo o travesseiro, teria tido bem menos trabalho", recorda-se.
As tarefas domésticas dentro do asilo são divididas entre todos os idosos, comunitariamente. Só quem está doente ou tem mais de 60 anos é dispensado dessa rotina. Eles se revezam na limpeza e no cultivo de verduras e legumes para o próprio consumo. O trabalho - que chega a cinco horas por dia - é feito com disposição, o que estimula o apetite dos velhinhos. O menu das refeições, obviamente, é japonês. No máximo, com algumas adaptações à cozinha brasileira. Quando têm tempo livre, no final da tarde, os japoneses gostam de ler, caminhar, e há até quem se dedique ao estudo da música, como Yoshiteru Wakamiya, de 62 anos, que, quando não está trabalhando ou copiando partituras, não larga sua gaita. "Ela é minha companheira", diz.
Os japoneses chegaram aqui há um século. Desde junho de 1908, muita coisa aconteceu. Ajude a resgatar essa memória.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil