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Viagem e Turismo, 1/06/2005
Japão Pop Show (continuação)
Kioto
Ela está descendo a rua Hanamikoji. Usa maquiagem branca no rosto todo, batom vermelho, tamancões de plataforma, quimono vermelho, penteado bolo-de-noiva com grampos coloridos. Ninguém está prestando atenção nela. A não ser eu. Peço para tirar uma foto, mostrando a máquina. Ela topa, sem sorrir. Depois do clique, faz uma reverência e segue adiante. Até ser parada, alguns metros à frente, por outro gaijin para outra foto. Vida de gueixa não é fácil. Essas adoráveis bonecas de luxo fazem parte da paisagem de Kioto. Incorporam o ideal japonês de beleza feminina e são treinadas para entreter os homens. Não são prostitutas. Hoje, são protegidas de executivos e empresários, para os quais dançam (takichata) ou cantam e tocam (jikata) – e com os quais podem ou não fazer sexo, dependendo do acordo com os “padrinhos”. Kioto tem cinco bairros de gueixas, o mais famoso deles é Gion, onde elas se apresentam em várias casas e no Teatro Gion, em espetáculos de uma hora em que praticam suas especialidades no palco.
Kioto é Japão tradicional, das gueixas, dos samurais, dos teatro nô e kabuqui. Foi a capital entre 794 e 1868. Tem 37 universidades, 24 museus, 202 tesouros nacionais (20% do total do Japão). Entre os japoneses, o natural de Kioto tem certa fama de esnobe, como o novaiorquino para os americanos. A cidade é plana, cercada pelas montanhas Tamba ao norte, leste e oeste. É linda e boa para se circular de bicicleta de aluguel. Tem grandes templos. O Kiyomizudera fica no alto de um morro. Uma plataforma de madeira foi construída sobre uma garganta. A vista da cidade é fantástica e o caminho para o topo é ladeado por lojinhas de suvenires.
Um bar serve chá verde e a “raspadinha” dos japoneses, gelo raspado com xarope de menta ou framboesa, chamada kaki koori. Já o Kinkakuji, o Pavilhão Dourado, foi erguido no século 14 como vila de descanso do imperador. Suas paredes são folheadas a ouro e, nos dias de sol, refulgem maravilhosamente sobre o lago. Em cima do telhado, uma fênix de bronze. O roteiro clássico pelos templos de Kioto inclui também o Ginkakuji (Pavilhão Prateado) e o espetacular Sanjusangendo, o mais longo prédio de madeira do Japão, com 1 001 estátuas em tamanho natural de Kannon, o Buda da compaixão.
“Isso aqui lembra Amsterdã, sem as drogas”, diz o estudante australiano Peter McManus, um dos muitos jovens que são atraídos pelo clima universitário local. Estamos no bairro de Higashiyama, que se divide em canais, com restaurantes, bares e as indefectíveis bicicletas estacionadas nas muretas. Um desses canais é o Takase, criado em 1611. Isso você lê numa placa em inglês – coisa que existe em todas as principais atrações da cidade.
Kioto mantém de pé velhos símbolos da efemeridade do poder. O Castelo de Nijo, do século 17, é famoso pelos interiores ornados e pelo piso, feito de modo a reproduzir o canto dos rouxinóis pintados nas paredes (as tábuas foram instaladas para que cavilhas e pregos roçassem uns nos outros). Foi erguido pelo xogum Tokugawa Ieyasu, o homem que unificou o Japão e que transferiu a sede do xogunato para Edo (antigo nome de Tóquio). Seu neto, Iemitsu, encomendou aos melhores pintores da corte os salões da recepção.
No primeiro, há bonecos representando os daimyo (senhores feudais), prestando sua vassalagem ao xogum. Agora, nada é mais belo do que o templo zen-budista de Ryoanji. É um choque de austeridade e elegância, ainda mais para quem vem do frenesi de Tóquio. Como é que a mesma cultura que produz o Pokémon é capaz de erguer o Jardim das Rochas de Ryoanji? Trata-se de um retângulo de 25 por 10 metros. Não há cerejeiras, não há lago, não há fontes, não há árvores. Datado do século 15, ele tem 15 rochas esculpidas sobre o cascalho. Muita gente tenta decifrar o significado daquilo há muito tempo. No meu caso, tento fazê-lo sentado nos degraus dessa arquibancada. Passo 20 minutos ali, tentando entender o jardim. Até perceber que não há nada para ser entendido. Nada para pensar. Você está diante do nada. Diante do zen. Conseguiu compreender? Não? “Se você não consegue entender o zen”, diz o mestre ao pupilo no livro A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, “é porque respira de maneira inadequada.”
Nikko
A cidadezinha de Nikko costuma ser acompanhada de um slogan: “Não diga nekko até ter visto Nikko”. Nekko significa esplêndido. É justo. Nikko fica a 100 quilômetros da capital, perto de um parque nacional, e é esplêndida, de fato. E sua maior atração é uma tumba. Quando, no século 17, o xogum Tokugawa Iemitsu pensou em fazer um mausoléu para seu avô Ieyasu, o homem que unificou o país, ele resolveu caprichar. Não era só uma questão de carinho – era uma demonstração de força. Conta a lenda que 15 mil artesãos trabalharam durante dois anos, talhando, pintando e laqueando até terminar o Santuário de Tosho-gu. Na entrada, há um pagode de 1650. Passando um portal, você vê um estábulo enfeitado com a clássica imagem dos três macacos (“não vejo, não falo, não ouço”). Dentro, descansa um cavalo branco, doado pelo governo da Nova Zelândia. Essas pequenas surpresas se sucedem. Noutra porta está o entalhe de um gato dormindo, símbolo da era de paz dos Tokugawa (a idéia é que o gato está manso, mas, caso provocado, se levanta agilmente para lutar). No Pavilhão de Honji-Do, o teto possui o retrato de um dragão que “ruge” – o lugar foi projetado de modo a fazer com que, ao bater palmas sob a pintura, o eco pareça um rugido. O guia, que bate palmas, ajuda a fazer a sua imaginação funcionar. O gran finale é a tumba de Tokugawa Ieyasu. Megalomaníaco como todo ditador, Ieyasu foi rebatizado, ao morrer, como “A Grande Encarnação que Ilumina o Leste”. Seu túmulo é simples, ainda mais diante dos excessos do mausoléu (“uma Disney do século 17”, escreveu o historiador inglês Gordon Miller). Para chegar até lá, é necessário subir uma escadaria íngreme. O estilo do velho se exibe numa placa no último lance de escadas, quando o visitante está com a língua de fora, as pernas doendo: “Não se apresse. Mas não pare”.
Atami
Quando os moradores de Tóquio querem passar um fim de semana numa estância termal, vão para a Península Izu. Com praias bonitas, muito verde, estradinhas estreitas e curvas impossíveis, a cidade de Atami é uma das mais concorridas. Não é uma Costa Amalfitana. Mas é, no mínimo, peculiar. Hospede-se num ryokan, o hotel japonês típico, vista seu yukata (o roupão), tome um banho coletivo e boa viagem. É um lugar para passar dois dias, no máximo. Uma tarde no lindo MOA, Mokichi Okada Musem of Art. Fica no alto de uma encosta, com uma vista espetacular. O acervo de 200 peças inclui cerâmicas chinesas, estátuas de Buda, pinturas. Nas tardes de verão, um palco é montado para encenações de teatro nô, o gênero japonês por excelência, com todo seu mistério, seus gestos contidos, as máscaras, a tensão... e, sim, uma certa chatice. O museu pertence a uma seita fundada por Mokichi Okada (1882–1955). Okada acreditava no surgimento de uma nova civilização, baseada no culto à beleza. Aplicou esse princípio na medicina; na arte e na cultura; e na agricultura. A Fundação Mokichi Okada mantém fazendas no interior de São Paulo, em Mogi das Cruzes, que advogam o fim do uso de agrotóxicos nas lavouras. Para saber mais sobre Okada, acesse www.moa-inter.or.jp.
Kamakura
Chovia. A ponto de eu não querer pegar o trem para Kamakura, algo que havia planejado dias antes. De má vontade, embarquei. Na chegada, notei um guarda-chuva esquecido no vagão. Pensei em pegá-lo, mas me contive. Ao sair na plataforma, diante do aguaceiro, me arrependi e tentei voltar para apanhá-lo. A porta se fechou. Desolado, encaminhei-me para a cabine onde deveria mostrar meu bilhete. Um velhote me atendeu. Na falta do que fazer, fiquei por ali, matutando um meio de voltar a Tóquio naquela tempestade. Até que senti uma espetada nas costas. Era o velho. Me oferecendo um guarda-chuva. “Kamakura”, disse ele, apontando para a estradinha que leva à cidade.
Foi assim, levado pela fé nas coincidências, que fiz talvez o passeio mais belo da minha vida. Por um breve período (1192–1333), Kamakura foi a capital do Japão, sede do poder do primeiro xogum, Minamoto-no-Yoritomo. Os templos, a grande atração do lugar, estão espalhados em forma de ferradura numa área de aproximadamente 10 quilômetros. É fácil visitá-los a pé, ocasionalmente pegando-se um ônibus. São 19 santuários xintoístas e 65 budistas. A estrela de Kamakura é o Daibutsu, o Grande Buda, uma estátua de bronze do século 13, de 13 metros de altura (uma turma de espanhóis, bêbados, gritava, olhando para as moças: “Buda grande, né? Buda grande!”). Uma grande viagem é feita de grandes flagrantes.
No caminho para o Santuário Tsurugaoka Hachiman-gu, do século 12, dedicado ao deus da guerra, colegiais uniformizadas pulam as poças da chuva que havia parado de cair. No meio do pátio, numa espécie de coreto, um casamento xintoísta está sendo celebrado. A noiva, impassível, tem o rosto parcialmente coberto, como manda a tradição, e me ignora solenemente. Fotografo a cerimônia para visível desagrado do lambe-lambe contratado pelos noivos. A uma certa altura, pego um folheto do chão. Ele conta que aquele local é cenário de uma tragédia: nos degraus de Hachiman-gu morreu assassinado o último xogum do clã Minamoto, o triste poeta Sanetomo, pelas mãos de seu sobrinho, no último dia do ano de 1219. Tive a impressão de que a noiva olhava para mim quando terminei de ler. Naquele minuto, voltou a chover.
Anote aí
Da estação Tokyo, na capital, saem trens para Kamakura (48 quilômetros ao sul), Nikko (150 ao norte), Hakone (96 a sudoeste) e Atami (48 também a sudoeste). Você vai num pé, volta no outro. Só faça questão de ser absolutamente pontual.
Gigantes de fralda
O sumô é o esporte nacional do Japão. As regras são simples: o vencedor é quem derrubar o oponente no chão ou empurrá-lo para fora do ringue. As lutas duram poucos segundos, ao contrário do ritual de preparação que antecede cada uma. Assim que o sumotori (lutador de sumô) entra no ringue – que só pode ser pisado por eles e pelos juízes –, inicia uma série de movimentos a pretexto de “invocar os deuses”. Entre uma evolução e outra, ele joga sal no ringue para purificá-lo. Em Tóquio, os campeonatos de sumô são realizados no ginásio Kokugikan, nos meses de janeiro, maio e setembro, durante 15 dias consecutivos. As lutas começam às 10h e terminam às 18h, mas não é preciso chegar tão cedo, pois as melhores ficam para o final, a partir das 16h. É quando entram em cena os principais sumotori do Japão, ídolos no país. Os melhores lugares para assistir às lutas são os camarotes ao lado do ringue, mas é quase impossível conseguir um desses. Além de caríssimos, são comprados por empresas, ou por amigos ou parentes dos lutadores. Os ingressos para as arquibancadas, divididas em setores que variam de preço, podem ser adquiridos na bilheteria do ginásio, a partir das 9h. Os preços vão de 15 a 150 dólares. Estádio de Sumô Kokugikan: 1-3-28 Yokoami, Sumida-ku, (03) 3623-5111.
Visite o site: www.viajeaqui.com.br
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil