Reportagens › Força de samurai
Duda Teixeira
Omar Paixão
Os ensinamentos milenares dos guerreiros japoneses aos poucos chegam às academias do país com a promessa de corrigir a postura, melhorar o desempenho do coração e controlar o nervosismo.
Eles ganharam importância no Japão feudal, quando proprietários de terra criaram exércitos particulares para se defender e para lutar contra outros reinos. Com o tempo, sua importância cresceu e criou-se o cargo de xogum, autoridade que cuidava da administração e da segurança no país. Os samurais tinham um código de obediência e lealdade, o Bushido, que os vinculava a seu senhor. O mais famoso guerreiro foi Musashi, que permaneceu invicto em mais de 60 duelos.
Tóquio, década de 1940. Após beber alguns goles de saquê, um mafioso coreano sai pelas ruas assustando pessoas com uma katana, espada metálica de 80 centímetros. Um policial que estava nas vizinhanças é avisado. Ao vê-lo, o estrangeiro ergue a lâmina e se prepara para dividir em dois o inimigo. O policial joga um lenço na cara do malfeitor e, com uma barrinha de metal em forma de “h”, interrompe o golpe no ar. A arma cai e o estrangeiro é imobilizado no chão. Então, o policial tira do bolso um singelo rolo de barbante e — sem que sua respiração sofra qualquer alteração — amarra as mãos, os braços e o pescoço do forasteiro. Quando o pacote está pronto, o baderneiro é levado à delegacia.
São Paulo, agosto de 2005. Para um grupo de jornalistas, o ex-policial Tsunemori Kaminoda repete em uma das unidades da academia Competition, em São Paulo o gesto com o qual conteve o mafioso décadas atrás. A pequena platéia fica impressionada. Mesmo aos 78 anos, Kaminoda apresenta a força, a agilidade e a velocidade de um jovem.
O segredo da vitalidade desse senhor vestido de quimono é o que mais chama a atenção. Atualmente Kaminoda é o único lutador no mundo a dominar os 18 estilos de luta dos samurais, os temidos guerreiros japoneses. Seguindo um rígido código de honra, eles dominaram o topo da pirâmide social no Japão feudal até que, no século XIX, a entrada das armas de fogo no país e a criação de um exército institucionalizado os extinguiu. Contudo, seus conhecimentos foram preservados no interior de núcleos familiares. “Kaminoda foi aprendiz de um membro da 25ª geração de samurais”, diz Jorge Kishikawa, diretor e fundador do Instituto Niten. No Brasil, a instituição ensina diversos estilos em parceria com academias. O iaijutsu (abaixo) utiliza a katana, por excelência a arma dos samurais. O jojutsu e o kenjutsu usam um bastão de madeira e espadas de bambu, respectivamente. Entre a lista dos benefícios que eles proporcionam para a saúde estão a correção postural, o aumento da capacidade cardiorrespiratória e a redução da ansiedade.
Além do Japão, a arte samurai fincou os pés em países como Suécia, Estados Unidos, França, Malásia e Cingapura. No Brasil ela ainda é um privilégio de poucos. Estima-se que o número de praticantes fique em torno de 800 — pequeno se comparado com o de outras lutas marciais. Mas esse contingente aumenta a cada dia, graças ao fascínio exercido pela espada e pelos benefícios proporcionados ao corpo e à mente. “Há um interesse muito grande pela filosofia japonesa no Brasil, maior até do que o que vi em outras nações do mundo”, observou Kaminoda, que concedeu uma entrevista exclusiva à SAÚDE! (leia o quadro na página à direita).
Nas aulas que ocorrem na unidade da Competition, na capital paulista, uma mesinha com livros sobre os samurais permanece montada em um canto. Os alunos vestem quimono com ideogramas, cumprimentam-se em japonês e, ao se cruzarem, abaixam lentamente a cabeça, como os orientais, embora a maioria não tenha olhos puxados. “Não adianta nada trabalhar só a casca do aluno, a parte corporal”, diz o professor Marcelo Neje, diretor técnico do Instituto Niten. “É preciso trabalhar o recheio também, a atitude e a parte mental.”
Iaijutsu
Nesse estilo não há combate. O aluno apenas faz movimentos repetidos com a katana. Desembainha essa espada (que pode ser de metal ou madeira) e golpeia o ar, zunindo a cada novo gesto. Ao final da série, guarda a arma. O oponente é meramente imaginário, sem desmerecer a técnica. Para um samurai, era imperativo que esses gestos fossem rápidos e eficientes — sua vida poderia depender disso.
O que faz: Promove a aquisição de autocontrole e a redução da ansiedade. Além disso, os movimentos, realizados diversas vezes em frente a um espelho e sob supervisão, trazem uma melhora substancial na postura. “Com dois meses de treino, meus amigos já comentavam que eu estava mais alto e mais ereto”, diz Igor Louback, professor de educação física e aluno de iaijutsu há sete meses.
Kenjutsu
Significa “a arte da espada” e surgiu no século XIII d.C., o que torna a prática a mais antiga das técnicas samurais. Os combates ocorreram até o final do século XIX, abolidos pelo imperador Meiji. Criou-se, então, uma versão simplificada, o kendo, e a espada de metal foi substituída pela de bambu. Além disso, uma armadura passou a proteger o praticante dos golpes.
O que faz: De todas as artes marciais, é a que proporciona maior aumento da capacidade cardiorrespiratória. Os movimentos são velozes e, com isso, perdem-se também algumas calorias. A cada golpe o atleta dá um grito. “É uma ótima forma de extravasar a tensão”, diz a estudante de publicidade Michelle Fernandes, 20 anos, praticante há quatro meses. “Saio das aulas revigorada”, diz ela.
Sensei Kaminoda começou a treinar com espada aos 7 anos. Adulto, foi instrutor da polícia de Tóquio e do FBI. Em seguida os melhores trechos de sua entrevista exclusiva à SAÚDE!
- A filosofia samurai prega valores como honra, sinceridade, justiça e lealdade. É possível seguir à risca esses princípios nos dias de hoje?
Hoje em dia não se fazem mais pessoas capazes de chegar nem aos pés de um samurai como Musashi. Não há nem sequer como imitá-lo. Mas, se elas pelo menos tentarem se aproximar do que ele foi, muitas de suas questões de âmbito espiritual, intelectual e aquelas relacionadas à sua vida serão solucionadas.
- Quais pensamentos de Musashi seriam de valia para os dias de hoje?
Em primeiro lugar, deve-se trilhar o caminho com um único espírito até a morte. Em segundo, lapidar a técnica e o lado espiritual, dando-lhes a mesma importância. Esses são dois pensamentos básicos da filosofia samurai.
- Uma pessoa pode limitar-se a fazer os exercícios, sem se aprofundar tanto na filosofia propriamente dita?
O treinamento sem leitura só é válido quando o mestre tem profundo conhecimento e tem capacidade profunda de transmitir isso ao seu aluno. Contudo, é certo que, quando os exercícios são aliados à leitura da filosofia samurai, o benefício é muito maior.
Os japoneses chegaram aqui há um século. Desde junho de 1908, muita coisa aconteceu. Ajude a resgatar essa memória.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil