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Claudia, 1/02/2008PATRÍCIA NEGRÃO
Fabio Heizenreder/Revista Claudia O casal Alfredo e Michiko com os filhos, Fernando, Alfredo, Marlene e Ana, e o patriarca Asagoro
Ela chegou ainda menina; ele nasceu no estado de São Paulo, mas vivia como se estivesse na terra do sol nascente. Na vida de Michiko e Alfredo, ressoam ecos do movimento social de imigração que fez do Brasil o porto seguro da maior comunidade de descendentes de japoneses do mundo. Um caso de amor – de uma família pelos quatro filhos e de um povo por dois países
Nas noites claras, Miyako e Asagoro Wada sentavam-se com os quatro filhos no quintal de sua casa, na Província de Nara, região central do Japão, para juntos apreciar a lua cheia. “Minha mãe lia poesias para nós e meu pai rabiscava com um ramo de bambu um círculo no chão, o globo terrestre”, recorda Michiko Wada Ando. Ele desenhava o irmão que havia imigrado para o Brasil em cima da Terra, em pé, e nós, embaixo, todos de ponta-cabeça.” Asagoro fazia, então, o sol e a lua e explicava aos filhos por que no Brasil era dia e no Japão noite. “Eu era pequenininha e ficava pensando: é só abrir um buraco que vou parar no Brasil! Eu já tinha vontade de conhecer o país.”
Era a década de 50 e o Japão vivia a tensão do pós-guerra. Sem emprego, Asagoro, ex-diretor industrial de uma fábrica de peças de tear, viu-se obrigado a tentar a sorte por conta própria. Montou uma pequena fá brica para transformar ostras em botões, porém os negócios da família não prosperavam. “Nunca passamos fome, mas eu percebia que já não estávamos bem de vida”, conta Michiko. “O primeiro e o terceiro irmãos de meu pai viviam havia algum tempo no Brasil e progrediam. Eles convenceram meu pai a imigrar.”
Em busca de outra vida
Em 31 de agosto de 1957, a família Wada embarcou no Buradiru Maru em direção ao país que fazia parte do imaginário de todos. Do convés, ao lado de centenas de outros imigrantes, os seis lançavam fitas coloridas aos parentes e amigos no porto – uma tradição japonesa de despedida. Michiko, que poucos dias depois completaria 10 anos dentro do navio, chorou muito. “De emoção, não de tristeza. Nós tínhamos muita esperança, finalmente partíamos para uma terra que nos acolheria.”
A vontade era enorme, mas a adaptação foi árdua. Costumes, comida, clima diferentes e, principalmente, a língua portuguesa, que, num primeiro momento, parecia impossível de aprender. “Foi muito difícil! Eu chorava em casa porque não entendia nada na escola”, conta Michiko. Aluna exemplar no Japão, ela estava no quarto ano, mas foi obrigada a retornar ao primeiro ano primário. “A professora entrava na sala, nós levantávamos para cumprimentá-la e eu era muito mais alta que os outros. Ficava triste, frustrada no meio dos pequenininhos.” Michiko não teve dúvida: decorou a cartilha inteira. Na prova, nenhum erro. “Para nossa surpresa, me deram nota 9 e não 10.” O pai pediu ao tio para perguntar o motivo à professora. “Ela disse que eu acertara tudo, mas não sabia o que estava escrevendo. Repetia como um papagaio”, lembra, rindo, Michiko.
No primeiro ano no país, a família morou em Mirandópolis (SP). “Meus tios acharam melhor vivermos, no início, no interior para depois mudarmos para a capital”, diz Michiko. O pai arrumou emprego na oficina mecânica de um conterrâneo. No final de 1958, como planejado, a família transferiu-se para Diadema (SP), onde Asagoro, hoje com 93 anos, fundou a Indústria Mecânica Wada Ltda., que fabricava peças de navio e automóvel, chegou a ter 100 funcionários e foi vendida em 1986.
Uma nova família
Quando completou 14 anos, Michiko havia terminado o quarto ano primário e se sentia tão integrada ao país que decidiu contrariar as tradições japonesas. “Minha tia disse que eu precisava me preparar para casar e queria me matricular em uma escola japonesa de culinária, etiqueta e corte e costura.” Os planos de Michiko para o futuro eram outros, e ela conseguiu convencer o pai a deixá-la continuar estudando ao mesmo tempo em que trabalhava com ele na administração da indústria. Formou-se orientadora pedagógica pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). E só então, aos 27 anos, cedeu à tradição. Aceitou se casar com o homem que o padre Inácio Takeuchi, importante liderança na comunidade japonesa, escolheu para ela. “Ele tinha fama de padre casamenteiro. Se achava que uma jovem japonesa combinava com um jovem japonês, marcava um encontro e levava os dois ao cinema”, conta Michiko.
Em 1975, com as bênçãos do padre, Michiko casou-se com Alfredo Fumio Ando, jovem formado em contabilidade também pela Fecap. Nascido em 1943 na região de Cotia (SP), Alfredo cresceu na lavoura, entre seus conterrâneos, e até os 7 anos freqüentava o nihongakko (escola mantida pelos japoneses onde as crianças aprendiam a ler e escrever e eram introduzidas nos costumes do país de origem) e só falava a língua dos pais. “Também sofri no primeiro ano primário por não falar português”, recorda Alfredo. Caçula de seis meninos, desde pequeno era encarregado de fazer a comida da família, enquanto o pai, Kiyozi Ando, a mãe, Miti Ando (ambos já falecidos), e os cinco irmãos davam duro na lavoura. “Fui o único filho a não pegar na enxada.” Quando Alfredo nasceu, seu pai já havia deixado a fazenda de café e comprado um pedaço de terra em Cotia – naquela época conhecida como cinturão verde. Viviam da plantação de batata e de uma granja de ovos. Os produtos eram vendidos na capital, no largo da Batata, no bairro de Pinheiros. Para evitar os atravessadores, 82 agricultores, entre eles o senhor Kiyozi, juntaram-se e fundaram em 1927 a Cooperativa Agrícola de Cotia, uma das mais tradicionais do estado de São Paulo.
Os filhos cresceram. Dona Miti decidiu, então, mudar-se para a capital para que eles pudessem continuar os estudos. Compraram uma casa pró xima ao largo da Batata. Foi para lá que Alfredo levou a jovem esposa quando se casou e ainda moram na mesma região. Começaram a trabalhar juntos no escritório de contabilidade de Alfredo, até que, em 1987, Michiko abriu a empresa Anew Paulista Naturali, distribuidora de uma marca japonesa de produtos naturais, a Anew, que mantém até hoje. O casal realizou seu grande sonho: ter quatro filhos nipo-brasileiros e vê-los todos formados em boas faculdades públicas. Marlene, 31 anos, é engenheira de alimentos pela Unicamp; Ana, 30, designer gráfica, fez arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP); Fernando, 28, concluiu o curso de engenharia de produção na Escola Politécnica e o de economia na Faculda de de Economia e Administração da USP; o caçula, Alfredo, 27, formou-se médico e faz residência em anestesiologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Michiko e Alfredo aguardam agora a chegada dos netos. “Quando entrei no Buradiru Maru, aos 9 anos, não tinha idéia do que me esperava, mas decidi que o Brasil seria minha nova terra. Amo este país.”
Brasil e Japão, rota de duas mãos Em 1908 chegaram ao Brasil as primeiras 165 famílias de imigrantes japoneses. Nas décadas seguintes, os Marus – grandes navios vindos do Japão – desembarcaram milhares de imigrantes no porto de Santos (SP). Célia Sakurai, pesquisadora da imigração japonesa e autora de Os japoneses (Editora Contexto), conta que, de 1908 a 1924, a passagem dos imigrantes era financiada pelos fazendeiros de café brasileiros. “Só embarcavam três pessoas de uma mesma família – três enxadas’ –, de ambos os sexos e a partir de 12 anos. Muitos casamentos foram arranjados na época para que as famílias pudessem vir para cá.” Os imigrantes assinavam um contrato de trabalho por dois anos na fazenda. Do salário eram descontados os gastos com a passagem e estada. “O pouco que sobrava, eles guardavam. O desejo, naquele momento, era retornar para o Japão”, diz Célia. A partir de 1925, com aexplosão populacional, o governo japonês passou a financiar as passagens. “Houve, então, um pico de entrada dos imigrantes no Brasil.” Em 1942, com a Segunda Guerra, a imigração foi proibida. Só uma década depois os Marus voltaram ao porto de Santos. “Os imigrantes que aqui aportaram a partir de 1952 tinham um perfil diferente: traziam algum diploma e che gavam com o desejo de se estabelecer”, explica Célia. Mui tos foram trabalhar nas empresas navais e eletro ele trônicas japonesas que abriram filiais no Brasil. No início da década de 1980, com a crise econômica brasileira e a demanda do Japão por mão-de-obra, os filhos dos imigrantes japoneses começaram a buscar oportunidades de trabalho na terra natal de seus pais ou avós. De 1980 a 1990, 85 mil jovens nipo-brasileiros embarcaram para o Japão. Eles estão fazendo hoje o caminho contrário percorrido por seus conterrâneos. |
Realização Noris Martinelli/Produção Sylvia Radovan e Kayoko Fukaya (quimono)/Cabelo e maquiagem Sandro Borges
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Os japoneses chegaram aqui há um século. Desde junho de 1908, muita coisa aconteceu. Ajude a resgatar essa memória.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil