Reportagens › As 55 000 cabeças do samurai
MARIA RITA ALONSO
Com atendimento rápido e pouca conversa, Hideaki Iijima monta a maior rede de salões de cabeleireiro de São Paulo
Os dólares estampados na gravata de Hideaki Iijima parecem destoar de sua imagem zen. Com 1,60 metro de altura e 59 quilos, o empresário japonês de 49 anos lembra mais um samurai que um homem de negócios. Ele é uma mistura das duas coisas. Seguindo a filosofia que reergueu o Japão no pós-guerra - disciplina, dedicação, humildade e lealdade -, ele montou a maior rede de salões de beleza de São Paulo, o Soho. São 25 lojas em dezoito bairros. Em julho, inaugura mais uma, em Higienópolis. Cerca de 55 000 pessoas passam por seus salões a cada mês. É um número igual ao de cabeleireiros, barbeiros, manicures e depiladores que trabalham na capital. Nesse meio há concorrentes de peso, que fizeram fortuna manipulando tesouras e egos. Marco Antonio de Biaggi, por exemplo, conquistou um séquito de artistas, ficou famoso e investiu 1,5 milhão de reais para abrir seu MG Hair Design. Wanderley Nunes, um dos queridinhos das socialites, além de salões refinados, exibe orgulhoso sua tabela de preços: pessoalmente, não corta dois dedos de cabelo por menos de 130 reais. O casal Jacques e Janine, então, virou grife em 36 lojas na cidade - das quais 31 são franquias. "Se as pessoas comem no McDonald's, por que não cortar os cabelos no Soho?", espeta Ricardo Cassolari, do salão L' Autre Femme. Nenhum deles, no entanto, administra um faturamento anual de 12 milhões de reais, como o dono do Soho.
Iijima-san – assim ele é chamado por seus 800 funcionários – foi pioneiro na atividade de cabeleireiro como um negócio de massa. Chegou ao Brasil em 1979 e, três anos depois, inaugurou seu primeiro salão na esquina das alamedas Santos e Campinas. Pretendia oferecer um serviço tão original quanto os cortes desfiados e geométricos com os quais fazia sucesso em Tóquio. Batizou-o de Soho, nome do bairro nova-iorquino. Em japonês, a palavra significa pássaro azul, o símbolo da sorte.
Selecionou uma equipe de nisseis e sanseis e ensinou seu jeito de trabalhar. "Ele queria que o atendimento fosse simples e eficiente como uma linha de montagem", diz Hitomi, sua mulher e companheira de trabalho há quase trinta anos. Para tanto, criou o que chama de identidade urbana: um salão sem filas, sem frescuras, sem fofocas e (mais importante!) sem facadas. Cada corte de cabelo ali custa de 20 a 32 reais, dependendo da graduação do profissional. O ar modeminho está na decoração minimalista, com vaporizadores de design japonês, tapumes e pequenos sofás de palha. Ou nos cabelos dos atendentes, sempre curtos, rebeldes e coloridíssimos. A praticidade é garantida pelo serviço expresso: o cliente chega, é recebido imediatamente, veste um quimono sobre a roupa e segue para o lavatório sob os cuidados de um assistente. Diferentemente do que ocorre em alguns concorrentes, ele fica com o pescoço relaxado enquanto seu cabelo é lavado. Depois, é submetido a massagens de do-in no couro cabeludo e nas costas. Em seguida, um cabeleireiro faz o corte, enquanto um terceiro seca e escova.
“Meu público é a classe média, que vive apressada e não tem tempo para jogar fora". explica Iijima. Para conquistá-la, apostou em um marketing inédito. Em 1995, trouxe para São Paulo a Zeladoria do Planeta, movimento criado no Japão, para o qual a limpeza tem um caráter sublime. A cada três meses, Iijima mobiliza sua turma para faxinas em espaços públicos, como os banheiros do Ibirapuera e as calçadas da Paulista. Não enfrenta a sujeira apenas para fazer autopromoção, embora as vassouradas acabem tendo esse resultado. Todos os dias, acorda às 5 da manhã para varrer o Parque da Aclimação ao lado de sua mulher, Hitomi. "É a forma que encontrei de cuidar de minha saúde física, mental e social", diz. Volta e meia convida seu pessoal para trabalhos voluntários aos domingos. A adesão não é obrigatória. Mas ninguém se atreve a decepcionar Iijima-sam.
“É incrível a facilidade que ele tem para convencer os outros a realizar seus desejos", admira-se Nilton Yamawaki, 39 anos, que foi seu braço direito por dezesseis anos. "Seus maiores talentos são a liderança, a capacidade de doutrinar e a devoção ao cumprimento de metas visionárias", acredita Yamawaki, que era sócio-gerente de dois salões de Iijima até o início do ano passado, quando se desgarrou da família Soho. Com o rompimento, entregou a loja da Berrini e transformou a da Avenida Pompéia no salão Allure, onde segue carreira-solo. "Eu era como o filho mais velho e senti que precisava ter minha vida longe de casa e da sombra de Iijima", diz a ex-estrela do Soho.
“Meu salão não comporta estrelas", responde Iijima, que, ao contrário dos concorrentes, não tenta pegar carona no nome de clientes famosos. Vez ou outra, vá lá, Rita Lee aparece para aparar o chanel e Baby do Brasil, para colorir a cabeleira. Mas a badalação não é a praia dessa empresa. Iijima é homem de poucas palavras e entre elas não estão “fofa", "perua", "querida" e outras, típicas dos repertórios dos salões. Nas raras oportunidades em que ainda trabalha como cabeleireiro, ele atua compenetrado, distante, com o ar de superioridade. "Ele faz um tipo zen, como se estivesse em outra dimensão, mas é arrogante e vaidoso", entrega Yamawaki.
De unhas feitas, cavanhaque tingido de castanho e cigarro na boca, Iijima-san nem dá bola para as observações do ex-pupilo. Nenhuma delas desmerece sua conquista maior, o sistema de parceria implantado há oito anos. É mais ou menos assim: Iijima elege um de seus seguidores sócio-gerente e cria uma nova loja, na qual despesas e lucros são divididos meio a meio. O empresário entra com a infra-estrutura e a marca. O sócio, com o trabalho. Dezesseis salões funcionam nesse esquema. Só em 1999 foram inaugurados seis. A meta é abrir mais cinco até o final do ano. Para iniciar o negócio, o investimento mínimo é de 100 000 reais, mas os interessados não precisam juntar nem a metade. Os cabeleireiros se organizaram em uma espécie de consórcio, cada um contribuindo com 500 reais por mês. "Com Iijima-san é tudo preto no branco", diz Jaime Mineo Yiguti, sócio-gerente do Soho do Itaim. Iijima percorre seis lojas por dia. Ao final da semana, conseguiu vistoriar quase todas. A exceção é a de Ribeirão Preto, única fora da capital.
A menina dos olhos do empresário é a Academy Soho, onde 339 trainees, todos com ensino médio completo, formam-se pela cartilha do samurai. O curso dura 28 meses e os alunos aprendem desde cortes e enrolamentos de cabelo até noções de contabilidade e português. "É como uma faculdade", compara Renata Midori Oka, 20 anos. Os alunos trabalham como assistentes de um cabeleireiro, encarregado de passar a parte prática. Recebem salários de aproximadamente 400 reais. Quando concluem a academia, são contratados automaticamente. "Temos um plano de carreira", afirma Marcos Hissashi Fuzimoto, que já cursou direito e trabalhou como operário em Tóquio. Nos salões, os mestres chamam seus aprendizes de filhos e estes os tratam por pais. Antes da formatura, todos passam por um estágio de seis meses no Guenki, salão montado especialmente para isso. Há ainda o "dojô", centro de estudos em que todo o clã pratica caratê e tai chi chuan, assiste a palestras e aprende a montar arranjos de ikebana. "Muitas empresas do Japão têm funcionamento semelhante", diz Célia Sakurai, coordenadora acadêmica do Museu de História da Imigração Japonesa. "Os empregados sentem-se parte de uma família, na qual recebem sustento e proteção do pai-patrão."
Filho de um barbeiro de Saitama, vilarejo a 200 quilômetros de Tóquio, Iijima tinha 28 anos quando emigrou com a mulher e os filhos pequenos: o menino Dai e a menina Ai. Veio com 100 000 dólares, mas perdeu a maior parte do dinheiro por não ter sabido lidar com a inflação daquela época.
Tempos depois, trabalhou no salão Jacques Janine. "Ele sempre foi muito competente", diz Jacques Goossens. "Merece tudo o que conseguiu." Iijima mora em um apartamento de 550 metros quadrados na Aclimação e roda a cidade a bordo de uma Toyota Hylux, com motorista particular. A caçula, Ai, 22 anos, estudou em Tóquio e vive em Cambridge, na Inglaterra. Dai, 25 anos, cursa administração e marketing em São Paulo. Não herdou do pai o ofício de cabeleireiro, mas sim o gosto pelo golfe, o hobby de Iijima.
Há seis anos, o Soho investe em uma fábrica de xampus. Os produtos são usados nos salões e vendidos por telefone. Por enquanto, a prioridade de Iijima é o Taça Soho, concurso de cabeleireiros previsto para setembro, no Credicard Hall. Em maio, nesse mesmo palco, ele deu mostras de sua força. Esteticistas de todo o país participavam de um evento no qual apresentavam estilos e novidades na cabeça de modelos, atrizes e clientes famosas. Iijima foi a nota destoante. Subiu ao palco com 100 funcionários. Quimonos brancos destacavam seus penteados exóticos. Fez-se um silêncio desconcertante, entrecortado de gritos do mestre e de seus seguidores, que exibiam golpes de caratê. No final, houve uma chuva de balões verdes, amarelos, vermelhos e brancos. "Quero investir no espírito Soho", diz Iijima-san. Para o empresário, 1999 foi o "ano da reflexão". Sabe-se lá a razão, obrigou-se a vestir bermudas nos 365 dias. Neste ano, diz ter feito outro compromisso com seu Buda: usar gravata para marcar a meta "Avança Soho". Comprou uma dúzia delas, com estampas de flores, bolinhas, bichinhos e – é claro - dólares!
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil